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Multitasking

“Sem qualquer embasamento científico, minha mulher insiste na diferença entre […]”

Por Caio Mesquita

28 out 2023, 08:20 - atualizado em 30 out 2023, 08:39

Imagem: Freepik

Sem qualquer embasamento científico, minha mulher insiste na diferença entre gêneros quando o assunto é o chamado multitasking.

Segundo a Larissa, enquanto homens necessitam atenção exclusiva para desenvolver determinada tarefa, mulheres conseguem se dividir em várias funções simultaneamente.

Casado há duas décadas, estou ciente da minha incapacidade em ter êxito em convencê-la do contrário. Assim, ciente de que “happy wife is a happy life“, danço conforme a música garantindo a paz matrimonial.

Em todo caso, assumindo que ela esteja certa, talvez haja algo de masculino no funcionamento monotemático do mercado.

Explico.

Em sua permanente tentativa de simplificar fenômenos complexos, como o comportamento da economia e suas implicações sobre os investimentos, o mercado constantemente reduz a explicação para seus movimentos ao mínimo de causas possível.

Idealmente, e aí que chamo de funcionamento monotemático, o mercado tende a trabalhar, ou pelo menos se propor a trabalhar, com uma explicação única para o seu comportamento corrente.

Depois de uma primeira metade do ano, onde se discutia inflação + recessão e o timing do ciclo de aperto monetário, o tema da vez moveu-se para a curva de juros, especialmente na sua parte mais longa, e a perspectiva de se conviver com juros mais altos no longo prazo, o chamado “higher for longer“.

E assim passamos a acompanhar, com certa agonia diga-se de passagem, a escalada nas taxas de juros dos títulos do tesouro americano, especialmente o benchmark de 10 anos.

A diminuição da demanda por títulos da dívida americana por conta da chamada “weapomização” do dólar, evidenciada no confisco de contas russas após invasão da Ucrânia, e o quantitative tightening promovido pelo Federal Reserve são alguns do fatores técnicos que têm contribuído para a desvalorização dos treasuries e o consequente aumento nas taxas.

Mais recentemente, porém, preocupações sobre os fundamentos da economia americana passaram também a fazer preço, empurrando os juros para cima e fazendo com que a taxa de 10 anos se aproximasse do 5% a.a.

A frouxidão fiscal do Governo Biden, que vem produzindo déficits fiscais de fazer inveja a países desequilibrados, tem colocado mais pressão sobre o mercado de treasuries, colocando dúvida sobre a capacidade do Tesouro americano em continuar financiando sua dívida crescente e a um custo cada vez mais alto.

A dinâmica bipartidária por lá tem produzido uma mecânica autista aos problemas fiscais. Se por um lado os democratas resistem a qualquer esforço para contenção de despesas, por outro os republicanos se opõem a medidas arrecadatórias.

Interessante notar que, dentro de seu caráter monotemático, o mercado vem demonstrando, nos últimos meses,  menor atenção aos problemas fiscais do nosso país.

Com a nossa peculiar forma de fazer política, se me permite um eufemismo, temos logrado um equilíbrio de forças mais construtivo do que atualmente observado nos Estados Unidos.

Com quase 10 meses de governo atual, aparentemente evitamos as irresponsabilidades de gestões anteriores do Partido dos Trabalhadores, com um Ministro da Fazenda conduzindo a pasta de forma bem mais austera do que se poderia esperar de um político de esquerda.

A recente aprovação pela Câmara da PL 4173, que trata da tributação de offshores e fundos exclusivos, é um exemplo da sintonia entre os poderes para buscar uma redução do déficit. Infelizmente os esforços têm sido do lado da receita, negligenciando reduções nos gastos públicos.

Incapaz de administrar seu multitasking porém, o mercado seguirá dando pouca atenção às nossas questões enquanto não se desatar o nó monetário e fiscal americano.

Deixo você com os destaques da semana.

Um abraço e bom fim de semana.

Sobre o autor

Caio Mesquita

CEO da Empiricus