Nesta semana, deparamos com uma notícia daquelas que nos fazem rever alguns conceitos.
Trata-se do anúncio da nova rodada de captação do Nubank, que desta vez contou com a participação de ninguém menos que Warren Buffett, o reconhecido papa do value investing.
O volume de US$ 1,5 bilhão captados marcou para cima a avaliação da fintech, para inacreditáveis US$ 30 bilhões, colocando o banco como o quarto mais valioso do Brasil, à frente de gigantes como Banco do Brasil, BTG Pactual e XP Investimentos.
A pingada de Buffett, através de sua Berkshire Hathaway, foi de US$ 500 milhões, quantia relativamente modesta diante de sua fortuna. Ainda assim, causa espécie seu racional de investimento no Nubank.
Como seria possível reconciliar os US$ 30 bilhões com as ferramentas tradicionais de valorização, com base em geração de caixa e lucros, tão propagadas pelo Oráculo de Omaha?
Estou achando que minha alma de investidor talvez seja mais idosa que a de Buffett. Talvez seja algo ligado ao meu DNA, já que meus dois avós, tanto por parte de pai como de mãe, tinham comércio. Sigo, portanto, tendo dificuldade em entender os valuations atribuídos a negócios que, consistentemente, faturam menos do que custam.
Outra notícia da semana também me chamou atenção, apesar de não ter havido repercussão por aqui. Trata-se do acordo feito nos Estados Unidos entre os sócios da falida MoviePass e o temido Federal Trade Commission.
Para você entender, a MoviePass oferecia um serviço de assinatura para entradas de cinema e sua trajetória oferece um estudo de caso das distorções de modelos de negócios cujo valor está muito distante no futuro.
Inicialmente a assinatura custava US$ 50 mensais e dava direito a assistir a um filme por dia no cinema de sua escolha.
Como, na média, um ingresso de cinema nos Estados Unidos custa US$ 10, a MoviePass deveria torcer para que seus clientes limitassem sua frequência a um programa semanal no máximo para terminar o mês no azul.
Aparentemente, contudo, a empresa não parecia estar preocupada. Seu modelo de negócios previa soluções que, se tudo desse certo, garantiriam o equilíbrio financeiro da operação, lá no longo prazo.
Participação na venda de alimentos e bebidas, ingressos descontados no atacado e uma torcida para que assinantes se comportassem como alunos de academia, que pagam e não usam, garantiriam a saúde do negócio.
Como na prática a teoria é outra, a MoviePass foi enfrentando dificuldades crescentes. De um lado, novas avenidas de receitas não se materializaram, já que as redes de cinema resistiam em cooperar. Do outro, a frequência com que os assinantes usavam os serviços, gerando custos diretos, demonstrava que assistir a um filme exigia menos esforço do que malhar na academia.
Como resultado, a empresa queimava caixa com vigor.
Alguma coisa tinha que ser feita. Em vez de ajustar custos e aumentar receitas reformulando a precificação dos planos, medidas naturais para reverter prejuízos, a decisão foi na direção diametralmente oposta.
Ao final de 2017, a MoviePass dobrou a aposta. Mirando aumentar sua base de assinantes, o preço da assinatura mensal foi cortado para pouco menos de US$ 10. A ideia seria transformar a empresa em um grande agregador de dados relacionados ao consumo de produtos cinematográficos, tornando a MoviePass numa espécie de Google ou Facebook da sua indústria.
A parte do aumento do número de assinantes realmente aconteceu. Em pouco menos de três meses, sua base quintuplicou, para 2 milhões de usuários, chegando a um pico de 3 milhões em meados de 2018.
Lamentavelmente, os dados coletados dessa multidão não se transformavam em faturamento. O buraco operacional de caixa se aprofundou de forma dramática, já que bastava uma segunda visita mensal ao cinema para o assinante dar prejuízo.
Desesperada e vendo sua liquidez se esvair, a empresa lançou mão de uma série de subterfúgios, posteriormente considerados fraudulentos pelas autoridades americanas, para simplesmente inibir seus clientes de usarem o serviço oferecido.
Logins e senhas eram simplesmente desabilitados sem que os usuários conseguissem restaurá-los.
Autenticações passaram a ser exigidas, e propositalmente falhavam, sem previsão anterior nos termos de uso.
Pedidos de cancelamento dos serviços eram ignorados e assinaturas anteriormente canceladas eram renovadas sem o consentimento do cliente.
Nem mesmo tais práticas desonestas foram suficientes para estancar a sangria. Em setembro de 2019, a MoviePass finalmente jogou a toalha e encerrou suas atividades.
Voltando à investida de Buffett, em momento algum quero insinuar que o Nubank possa incorrer em qualquer tipo de desvio na condução de seus negócios.
Muito pelo contrário, a empresa de David Vélez é referência mundial na qualidade com que trata seus clientes, que, satisfeitos com o atendimento, retribuem com um altíssimo nível de fidelidade à marca.
Apesar disso, tamanha fidelidade da base de clientes está muito longe de ser traduzida em rentabilidade financeira para o banco do cartão roxo.
A cada cliente captado, o custo da operação cresce sem sua contrapartida na receita.
A conta fecha justamente na crença de investidores como Warren Buffett de que um dia, em algum ano longínquo, o banco encontrará as avenidas de receita que finalmente monetizarão sua gigantesca base de clientes.
A formidável liquidez no mundo, cuja emissão de moedas foi acelerada a níveis inconcebíveis até um passado recente, garante o suprimento constante de capital disposto a sustentar essa admirável aventura.
Enquanto houver gás para pedalar, a bicicleta não cai.
Como escrevi acima, minha alma de investidor e meu DNA de comerciante desconfiam se essa conta algum dia fechará.
Deixo você agora com os destaques da semana.
Boa leitura e um abraço,
Caio