“They tried to make me go to Rehab
But I said no, no, no
Yes I’ve been black, but when I come back
You’ll know, know, know
I ain’t got the time
And if my daddy thinks I’m fine
They tried to make me go to Rehab
But I won’t go, go, go”
Amy Winehouse
Entramos em maio com o mercado arrastando o mau humor de abril.
A tempestade perfeita formada pela combinação de aperto monetário global, guerra na Ucrânia e lockdown na China vem impondo um severo ajuste nos mercados.
Neste tripé do mal, a perna mais relevante (e preocupante) fica por conta do aumento de juros, especialmente nos Estados Unidos.
Sem almoço grátis, aprendemos com Milton Friedman que um dia a conta chega.
Durante mais de uma década, desde a crise de 2008, a farra monetária embriagou os mercados.
Em um certo momento, quase US$ 20 trilhões, o equivalente ao PIB americano, estavam investidos em títulos de renda fixa que “pagavam” juros nominais negativos, ou seja, investidores recebiam no resgate menos do que haviam aplicado inicialmente.
Alguns ousavam defender tal anomalia, justificando que haveria um custo em armazenar a riqueza de terceiros, tal como pagamos a um banco para usar seus cofres de segurança.
O senso comum, contudo, rejeitava a inversão do custo do dinheiro no tempo. Não era preciso ser economista para entender que, em algum momento, títulos de renda fixa deveriam cumprir sua função, ou seja, pagar, e não receber, juros a seus detentores.
O meteoro do aperto monetário, que, por sinal, está apenas começando, já colocou esses títulos na lista dos seres em extinção. De um pico de 4.500 títulos, hoje restam apenas cem com juros negativos, com um valor de mercado encolhido para US$ 2,5 trilhões.
Juros zerados também criaram anomalias em outras classes de ativos.
Se lembramos que o valor de um ativo é o resultado da soma dos fluxos de caixa futuros trazidos a valor presente por uma taxa de desconto, quanto mais baixa for essa taxa, maior seria o valor do ativo.
Juros extremamente baixos terminam, portanto, exacerbando o valor dos fluxos mais distantes no tempo. Os ativos de “duration” longa, ou seja, com fluxos positivos concentrados num longínquo futuro, passaram a ser sobrevalorizados.
Como as métricas tradicionais de relação preço versus lucro ou valor de companhia contra fluxo de caixa não faziam sentido, pois não havia nem lucro nem fluxo de caixa para ser comparado, os múltiplos de avaliação foram subindo na demonstração de resultados para múltiplos de receita. Em casos extremos, quando até a receita era modesta para justificar o valor, abandonava-se indicadores financeiros em favor de métricas operacionais (número de usuários, downloads, etc.).
Um ótimo exemplo desse exagero fica por conta da série “WeCrashed”, disponível na Apple TV+, serviço de streaming da Apple.
O programa conta a saga do israelense Adam Neumann, fundador e CEO da empresa de compartilhamento de escritórios WeWork.
A WeWork conseguiu a proeza de ter sido avaliada em US$ 47 bilhões sem ter produzido um único indicador financeiro positivo.
Pelo contrário, em seu afã de justificar o seu valor astronômico, mostrando um crescimento que desse lastro ao seu valor inflacionado, a WeWork queimava de forma desenfreada o caixa recebido dos investidores.
A promessa era que, em um futuro remoto, além de “transformar a consciência mundial”, a WeWork alcançaria uma alavancagem operacional que a tornaria rentável e, dando tudo certo, com fluxo de caixa positivo.
O capital abundante acompanhou as alucinações de Neumann, embaladas por uma combinação interminável de tequila e maconha. A taxa de desconto no chão, fruto da farra monetária da época, justificava qualquer valor, por mais delirante que fosse.
A verdade é que a economia global estava viciada no barato da liquidez exagerada.
A inacreditável inflação global atual é o fundo do poço de uma aventura perigosa, mas com final previsível.
Para recuperar-se dos abusos macroeconômicos, só nos resta agora atravessar o duríssimo período de abstinência que se faz necessário para limpar a droga do nosso organismo.
Deixo você agora com os destaques da semana.
Boa leitura e um abraço,