Olá, pessoal! Hoje, na news 24/7, o espaço é do economista e ex-diretor do Banco Central Tony Volpon, que compartilha sua visão sobre os mercados internacionais. Espero que gostem da leitura!
Semana que vem estarei de volta!
Um abraço, Caio Mesquita
No mês passado, depois de uma excelente performance dos mercados de risco globais, defendemos uma versão do ditado “sell in May and go away”, mas aplicada a agosto, e o mês realmente não foi dos melhores para as bolsas (apesar da recente recuperação parcial das perdas).
Como seria de se esperar, o que performou melhor nos últimos meses – qualquer coisa ligeiramente ligada ao tema da inteligência artificial – performou pior na fase de correção. Até a inabalável Nvidia, depois de divulgados resultados trimestrais acima das expectativas do mercado, não conseguiu embalar novo patamar de alta.
Voltaremos ainda à questão se a correção de agosto foi na verdade uma boa oportunidade de compra, ou é o prenúncio de uma correção mais aguda que nos espera dos sempre complicados meses de setembro e outubro, mas antes disso devemos comentar três eventos recentes.
Em julho, comentamos sobre a “a falta de discussão e interesse” no fato de que os EUA têm um déficit nominal perto de 9% do PIB apesar de (ainda) ser uma economia com pleno emprego. Bom, quem diria! No primeiro dia de agosto, a agência Fitch rebaixou a nota dos EUA de AAA para AA+ devido ao “crescimento do endividamento público e à falta de habilidade do Congresso em controlar as despesas”.
Tirando aqueles que têm que usar os ratings soberanos, a verdade é que o mercado não presta muita atenção à opinião dessas agências. A razão é que as agências tendem a esperar bastante tempo antes de agir, então seus julgamentos são baseados em fatores já amplamente conhecidos.
Mas isso não foi verdade nesse caso: a decisão do Fitch concentrou as atenções do mercado na questão fiscal americana, levando à forte queda nos títulos do Tesouro que já estavam sob pressão de uma economia que teimosamente se recusa a entrar em recessão, com os títulos de 10 anos chegando a render 4,34%, os maiores níveis desde novembro de 2022.
Obviamente esse movimento não é bom para ativos de risco com duration mais longo (como novas empresas de tecnologia cujos lucros muitas vezes estão sendo projetados bem no futuro), mas a verdade é que enquanto a alta das taxas longas pode ter contribuído para a correção das bolsas em agosto, ainda há um hiato relevante entre as taxas de juros reais longas (oscilando ao redor de 2% nos títulos indexados à inflação) e o valor das empresas. Em outras palavras, a bolsa não está (por enquanto) “sentindo” a alta nos juros: o prêmio de risco das ações, que relaciona o earnings yield da bolsa versus a taxa de juros sem risco está em seu menor patamar desde 2004.
Confesso que fiquei surpreendido com a alta de juros do mercado e a relativa falta de reação dos ativos de risco. Afinal, a inflação americana continua a surpreender positivamente e a economia está dando sinais de desaceleração gradual – o receituário do pouso suave. Voltaremos a discutir essa questão mais adiante.
Outra questão já conhecida que pegou mais tração foi a piora da economia chinesa e a falta de reação mais enfática do seu governo. Depois da reunião do Politburo de julho, onde a sinalização foi de mais apoio, o mercado esperou ansiosamente para então ver que “nenhum apoio fiscal significativo” foi implementado, nas palavras dos analistas do UBS.
Por que não? O Wall Street Journal publicou uma matéria (“Communist party priorities complicate plans to revive China’s economy”) analisando as recentes falas de Xi Jinping, mostrando como ele tem “rejeição filosófica ao modelo ocidental voltando ao crescimento do consumo”, e que injeções de recursos diretamente aos consumidores seriam um desperdício dada a necessidade de investir em áreas voltadas à concorrência geopolítica e tecnológica com os EUA.
Sendo isso verdade (eu pessoalmente acredito que seja), o cenário deve continuar relativamente ruim até chegar a uma situação limite, como foi o caso das demonstrações contra a política de Covid-zero.
A situação do mercado imobiliário chinês continua a piorar, e vale rever alguns números para quantificar o tamanho do desastre.
O setor como um todo representa, diretamente, 18% do PIB; adicionando outras atividades ligadas ao mercado imobiliário, chega a 30% do PIB. Desde o pico em 2022, a contração de novas residências caiu 60%. Os preços, dependendo da cidade, já caíram entre 10-20%. Há US$ 8,4 trilhões de dívidas ligadas ao setor imobiliário, o equivalente a 48% do PIB (já foi mais alto: 54,5% do PIB em 2020). Ao redor de 75% desse endividamento está nos balanços dos bancos locais. Mais de 60% dos títulos externos emitidos pelas incorporadoras e construtoras já entraram em default.
Se Xi Jinping está mostrando sinais de indecisão, talvez até confusão, frente à questão cíclica e sua visão do que a China deve ser no futuro, a confusão foi também um tema chave na recente reunião de banqueiros centrais em Jackson Hole.
Depois da bastante aguardada fala do Jay Powell, uma analista comentou no Wall Street Journal que “uma nuvem de incertezas” tinha descido sobre a conjuntura. Outra analogia ouvida durante a reunião foi que os bancos centrais estavam escalando uma montanha, mas chegaram a um ponto onde não havia mais uma rota conhecida para a escalada final ao topo. O sentido de confusão era claro.
Afinal, o que disse Jay? Ele não fechou as portas a aumentos adicionais de juros “se a economia não desacelerar como o esperado”. Sobre as recentes boas notícias nos dados de inflação, ele disse que dois meses é um bom começo, mas só um começo. Ele admitiu que dadas as altas recentes nas taxas de juros, que há “um arrasto adicional significativo” para a economia.
A questão principal parece ser se o Fed vai aumentar os juros em função da atividade, ou precisará ver também uma piora na dinâmica da inflação. Minha humilde impressão é que Powell está mais cauteloso, e não “comprou” a narrativa do pouso suave.
Assim, a divulgação dos dados do mercado de trabalho para julho acabam corroborando a temática do pouso suave, com a taxa de desemprego surpreendendo as expectativas e subindo para 3,8% apesar de um número maior de empregos criados no mês, com revisões negativas para os últimos dois meses. Essas revisões merecem destaque: o dado de empregos de junho foi originalmente divulgado em 295 mil, revisado para 185 mil no mês passado, e agora revisado de novo para somente 105 mil. Esse padrão de revisões somente acontece em um mercado de trabalho desacelerando.
Com esse dado, um aumento adicional de juros pelo Fed na sua próxima reunião se torna algo improvável. Se isso será o suficiente para sustentar um mercado acionário que está tentando superar um mês de oscilações negativas, é outra questão. Eu continuo com o pé no freio: a combinação de juros longos subindo, valuations bem infladas e a entrada do pior período sazonal das bolsas não é um ambiente propício para altas consistentes.
Empiricus 24/7
Você está confuso? Então está em boa companhia…
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Sobre o autor
Tony Volpon