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Briga entre Trump e Powell, Livro Bege e temporada de resultados do 1T25 são alguns dos destaques do mercado nesta terça-feira (22); veja a agenda da semana

Mais um episódio de ruído institucional ecoa nos Estados Unidos, desta vez por conta da briga entre Donald Trump e Jerome Powell. Leia mais.

Por Matheus Spiess

22 abr 2025, 09:20 - atualizado em 22 abr 2025, 09:20

jerome powell

Imagem: Flickr

Retornamos da sequência de feriados no Brasil com os mercados internacionais sinalizando uma semana que começou mal. O pano de fundo: mais um episódio de ruído institucional nos Estados Unidos, desta vez por conta da briga entre Donald Trump e Jerome Powell. O presidente americano voltou a criticar publicamente o Federal Reserve, reclamando da ausência de cortes nos juros — e reacendendo temores quanto à autonomia da autoridade monetária. Péssimo sinal para o mercado.

A tensão alimentou especulações sobre uma possível demissão de Powell — cenário improvável, mas que por si só já abala a confiança institucional. O receio de ingerência política sobre o Fed pressionou o dólar, os Treasuries e as bolsas americanas, em mais um sinal de que os mercados não lidam bem com a imprevisibilidade atual. A esta altura, parece até que Trump estudou nas escolas heterodoxas, populistas e intervencionistas da América Latina. O resultado? Um golpe na credibilidade dos EUA.

Apesar de uma tentativa de recuperação dos futuros americanos nesta manhã, os índices europeus ainda operam no vermelho, repetindo o tom negativo observado nos mercados asiáticos. A agenda do dia traz divulgações relevantes, com destaque para o Livro Bege nos Estados Unidos, a prévia da inflação no Brasil e uma nova leva de resultados corporativos por aqui e lá fora e aqui dentro.

· 00:52 — Uma reação nem tão exagerada

No Brasil, o retorno do feriado prolongado se dá sob um pano de fundo carregado, com os mercados globais ainda digerindo a nova leva de instabilidade vinda dos Estados Unidos. O desempenho fraco do EWZ — o fundo de índice que replica a Bolsa brasileira em Nova York — e a queda dos ADRs da Petrobras na segunda-feira (21) já antecipam uma postura defensiva dos investidores locais. Ainda assim, chama atenção a resiliência relativa dos emergentes. Em uma sessão que registrou perdas próximas a 3% nos principais índices americanos, o ETF de mercados emergentes recuou apenas 0,25%, e tanto Brasil quanto China sofreram menos do que Wall Street.

É um comportamento que sugere uma possível mudança de direção nos fluxos globais — uma rotação silenciosa em busca de ativos mais baratos, menos expostos à disfuncionalidade da política econômica americana. A depender do desenrolar dos próximos capítulos, os emergentes podem acabar beneficiados no relativo, especialmente em um cenário de reprecificação de risco global.

Por aqui, a semana ganha contornos corporativos, com a temporada de balanços entrando em fase importante. Os holofotes estarão voltados para os números de B3 (B3SA3) e Vale (VALE3), dois nomes com grande poder de movimentação sobre o Ibovespa. No campo macroeconômico, o único dado com potencial de impacto relevante será o IPCA-15.

Em Brasília, o foco recai sobre o avanço das discussões a respeito da reforma do Imposto de Renda — um tema que, não por acaso, costuma escorregar entre o discurso técnico e as pressões políticas. Mais uma vez, veremos o conflito entre a necessidade de um mínimo de racionalidade fiscal e o apetite por populismo tributário.

· 01:41 — O clima pesou

Nos Estados Unidos, os principais índices acionários encerraram a segunda-feira em queda expressiva, em uma sessão marcada não pela ausência de dados — mas pela ausência de qualquer âncora. Com poucos indicadores econômicos e sem grandes divulgações de balanços, os investidores tiveram tempo de sobra para se concentrar naquilo que mais tem incomodado os mercados: a crescente imprevisibilidade que emana de Washington. Entre o vaivém tarifário e os ataques reiterados do presidente Donald Trump à independência do Federal Reserve — agora com pressões mais explícitas para a substituição de Jerome Powell —, o que se acumula é ruído institucional. Caso a autonomia do Fed venha de fato a ser colocada em xeque, o impacto pode ser mais profundo do que sugere a volatilidade recente.

A confiança dos investidores estrangeiros em ativos denominados em dólar, já abalada, corre o risco de sofrer uma erosão mais estrutural. No curto prazo, o cenário segue marcado por instabilidade elevada: um mercado tecnicamente vulnerável, combinado a um governo que parece operar à base de impulsos e improvisações, não favorece a tomada de risco sustentada. Além da tensão institucional, ganha corpo a percepção de desaceleração no crescimento americano. A dúvida agora é se estamos diante de uma inflexão temporária ou do início de uma realocação estrutural de fluxos e estratégias globais. O pano de fundo é o de um mundo em transição, com seus antigos pilares — inclusive os institucionais — em processo de revisão forçada.

No radar da semana, os holofotes se voltam para a temporada de resultados. Mais de 100 empresas do S&P 500 — cerca de 22% da composição do índice — divulgam seus números nos próximos dias. Os destaques ficam por conta da Tesla (TSLA34), hoje (22), e da Alphabet (GOGL34), na quinta-feira (24). No campo macro, o Livro Bege do Federal Reserve, em sua terceira edição no ano, será publicado também na quinta-feira — e pode oferecer pistas mais sólidas sobre o ritmo da economia real em meio ao turbilhão político.

· 02:33 — Risco de ruptura

O presidente dos Estados Unidos voltou a pressionar publicamente por cortes na taxa de juros, reacendendo temores sobre a independência do Federal Reserve — um dos pilares institucionais mais valorizados pelos mercados financeiros. Em sua retórica habitual, Donald Trump chamou Jerome Powell de “um grande perdedor” e exigiu que o Fed reduza os juros “imediatamente”. Na semana anterior, foi ainda mais incisivo: declarou que a “demissão de Powell não pode vir rápido o suficiente”. Embora o presidente americano não tenha autoridade legal para destituir o presidente do Fed por simples vontade política, o histórico de Trump em ignorar convenções institucionais não permite que os mercados descartem essa hipótese com tranquilidade. O simples fato de que a ameaça passou a fazer parte da narrativa pública já é suficiente para corroer parte da confiança internacional nos ativos denominados em dólar.

Os ataques se intensificaram após Powell afirmar, durante um discurso no Clube Econômico de Chicago, que a política tarifária do governo republicano tende a desacelerar a economia americana — ainda que não a empurre diretamente para uma recessão — e, ao mesmo tempo, provocar alta de preços. Ou seja: uma combinação indigesta que justifica a manutenção da taxa básica entre 4,25% e 4,50% por mais tempo do que o mercado gostaria. Diante desse cenário de instabilidade fabricada, a tendência é que os ativos americanos continuem pressionados. Mesmo que haja momentos pontuais de alívio, o pano de fundo é de desconfiança: um governo errático, uma autoridade monetária sob ataque e uma política econômica reativa. Não é a combinação mais convidativa para investidores em busca de previsibilidade.

· 03:26 — As reuniões do Banco Mundial e do FMI

As Reuniões de Primavera do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional começaram esta semana em Washington, D.C., sob o pano de fundo de uma ordem econômica internacional estremecida. Como era de se esperar, os impactos das tarifas comerciais devem dominar a pauta. Em seu discurso inaugural, a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, foi direta ao alertar sobre os riscos que a escalada protecionista representa para a economia global. Ressaltou, em especial, a vulnerabilidade das economias menores diante de choques externos, sugerindo que o antigo modelo de crescimento impulsionado pelo consumo americano talvez esteja com os dias contados. O mundo, em suas palavras, precisa se ajustar a essa nova realidade.

Nos bastidores, porém, o debate vai além dos efeitos das tarifas. Circula em Washington a inquietação sobre o futuro das próprias instituições multilaterais. Uma ala mais radical de apoio a Donald Trump defende o fim do financiamento dos EUA ao FMI e ao Banco Mundial. Ainda que nem o presidente Donald Trump nem o secretário do Tesouro, Scott Bessent, tenham sinalizado qualquer intenção de levar a proposta adiante, a simples existência desse tipo de pressão política já levanta dúvidas.

A defesa tácita de sua permanência, no entanto, repousa sobre um argumento pragmático: o FMI e o Banco Mundial, diferentemente de órgãos como a USAID, operam em lógica transacional. Eles não doam — emprestam, e com contrapartidas. Essa característica os torna menos vulneráveis a uma guinada radical na nova política econômica americana, pois podem ser vendidos politicamente como ferramentas estratégicas de influência, e não como instrumentos de filantropia disfarçada. Assim, ainda que o ambiente geopolítico siga pressionando as instituições multilaterais, sua natureza contratual — aliada à utilidade real que oferecem em tempos de turbulência — pode ser o que garantirá sua sobrevivência no radar do novo normal americano.

· 04:17 — Sede vacante

Em mais um reflexo de um tempo atravessado por transições profundas, o Papa Francisco faleceu na manhã desta segunda-feira (21), aos 88 anos, deixando o mundo católico — do qual também faço parte — em luto, oração e contemplação. Sua partida marca o fim de um papado singular, que acompanhou de perto uma década de intensas transformações globais. Com o início dos Novemdiales, os nove dias de luto oficial da Igreja, o processo sucessório já se delineia discretamente, à medida que o Colégio de Cardeais se prepara para discernir os rumos futuros da Igreja Católica.

Ainda assim, antes que os olhos do mundo se voltem exclusivamente à escolha de seu sucessor, é justo e necessário dedicar um momento à reflexão sobre o legado do 266º pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana. Afinal, não foram poucos os desafios enfrentados nos últimos dez anos — sociais, políticos, espirituais — e Francisco, com sua presença carismática e sua disposição jesuítica, esteve no centro de muitos deles, conduzindo a Igreja com simplicidade, coragem e espírito de diálogo.

Nascido Jorge Mario Bergoglio em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires, Francisco foi o primeiro papa latino-americano da história. Seu pontificado ficou marcado por uma abordagem pastoral, voltada ao diálogo, à inclusão e à justiça social. Proximidade com os pobres, gestos de simplicidade e a tentativa de abrir a Igreja a novas realidades fizeram dele uma figura de alcance global — respeitada por muitos, criticada por outros. Em temas como imigração, mudanças climáticas e sexualidade, enfrentou resistências dos setores mais conservadores da Igreja e da sociedade.

Francisco foi, em essência, um papa conectado ao espírito de sua época: buscou adaptar o discurso da Igreja aos dilemas modernos, sem abandonar a tradição, mas com disposição de reinterpretá-la. Ainda assim, enfrentou dificuldades para transformar estruturas mais rígidas. Seu legado, portanto, permanece em aberto à espera do distanciamento necessário que só o tempo pode oferecer. Levará uma geração para que sua trajetória seja compreendida em toda a sua complexidade, e para que se saiba o quanto de seu caminho será retomado ou reformulado por seus sucessores.

Com a escolha do próximo pontífice se aproximando, a dúvida central é se a Igreja optará por consolidar a linha reformista de Francisco ou se buscará um retorno a posições mais conservadoras, como resposta a um mundo cada vez mais instável. Num mundo atravessado por transições aceleradas e incertezas profundas, a escolha do próximo papa não dirá apenas sobre o rumo da Igreja, mas sobre como ela pretende se posicionar diante das grandes transformações que vivemos no século XXI.

· 05:09 — Perdendo o status

O domínio do dólar começa a apresentar rachaduras visíveis, corroído não por um rival direto, mas pela crescente imprevisibilidade e pela sucessão de políticas erráticas que vêm marcando a gestão econômica dos Estados Unidos, especialmente sob Donald Trump. A perda de confiança institucional, somada ao aumento da percepção de risco político, tem levado investidores globais a reavaliar o chamado “prêmio de segurança” historicamente embutido nos ativos em dólar. A moeda americana continua central, mas já não tão inquestionável. Ainda assim, falar em fim do status de moeda de reserva global é, neste momento, um salto conceitual difícil de justificar.

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.