A semana tem sido marcada por turbulências políticas significativas na Ásia e na Europa, com impactos diretos sobre os mercados financeiros. Na Coreia do Sul, a crise política abalou fortemente o pregão da bolsa de Seul, que encerrou com uma queda expressiva. A instabilidade foi criada pela tentativa do presidente Yoon Suk Yeol de impor um decreto de lei marcial, o que gerou uma forte reação no parlamento. Como resposta, todos os membros do gabinete apresentaram suas renúncias, e a expectativa agora é que o impeachment do presidente seja votado até o final da semana.
Enquanto isso, na Europa, a França enfrenta um momento crítico em seu parlamento. Hoje, salvo alguma reviravolta inesperada, espera-se a aprovação de um voto de desconfiança que derrubará o governo do primeiro-ministro Michel Barnier, que assumiu o cargo em setembro. A crise não é apenas política, mas também fiscal, com raízes em um orçamento controverso que reacendeu debates sobre a gestão das finanças públicas — um paralelo com os desafios enfrentados pelo Brasil.
A agenda permanece movimentada, em especial lá fora. Entre os destaques, estão mais dados de emprego nos Estados Unidos, um discurso do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, e a divulgação do relatório de perspectivas da OCDE.
· 00:52 — Extrapolando o razoável
O mercado doméstico reagiu de forma relativamente positiva ontem à divulgação do PIB do terceiro trimestre, que registrou um crescimento de 0,9% em relação ao trimestre anterior, ligeiramente acima das expectativas. Pela ótica da demanda, o principal motor foi o consumo das famílias, que cresceu 1,5% e atingiu um patamar recorde, impulsionado pela melhoria no mercado de trabalho. Sob a ótica da oferta, o setor de serviços também se destacou, com um crescimento de 0,9%. Embora uma atividade econômica mais robusta traga algum alívio em meio ao cenário de pessimismo local, o resultado foi recebido com cautela.
O crescimento acima do esperado reforçou preocupações sobre a inflação e os juros, já sob forte pressão. Como reflexo, o mercado manteve o dólar acima de R$ 6 e ajustou expectativas, agora precificando uma Selic de 15%. Apesar disso, considero improvável que o ciclo de alta alcance esse nível, mas é evidente que o governo perdeu a confiança do mercado, criando uma barreira de desconfiança que tende a persistir.
Ou seja, com a falta de uma estratégia clara de consolidação fiscal, o aperto monetário deverá ser intensificado já na reunião de dezembro, levando a Selic para patamares ainda mais elevados (é isso que está na curva). Sem isso, a economia pode entrar em um ciclo vicioso, com o real depreciado alimentando expectativas de inflação, pressionando ainda mais os juros futuros. Apesar do cenário de tensão, é válido considerar a possibilidade de exageros. O fenômeno de overshooting no câmbio — quando há uma valorização ou desvalorização excessiva da moeda (para além do razoável) — é um fenômeno amplamente documentado.
Caso as medidas fiscais sejam aprovadas, e endurecidas pelo Congresso, há espaço para que o dólar se acomode em patamares mais baixos. Contudo, a incerteza permanece significativa. Se o ajuste fiscal continuar insuficiente, o Banco Central poderá se ver forçado a levar a Selic a níveis extremamente elevados. Hoje, o ministro Fernando Haddad fala no site Jota. A expectativa é que sua fala traga alguma sinalização sobre os próximos passos do governo, ajudando a delinear melhor o cenário para os mercados e as políticas econômica e fiscal no curto prazo. A panela de pressão segue no fogão.
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· 01:45 — Recorde atrás de recorde
Nos Estados Unidos, o Índice de Volatilidade CBOE (VIX), amplamente conhecido como o “termômetro do medo”, manteve-se levemente acima dos 13 pontos ontem, significativamente abaixo dos níveis próximos a 20 pontos registrados no período que antecedeu as eleições presidenciais no mês passado, mas sem recuos adicionais. Esse cenário de relativa estabilidade pode estar parcialmente associado às preocupações do mercado com um possível shutdown do governo federal no final do ano. O Congresso americano tem até o dia 20 de dezembro para aprovar um pacote temporário que evite a paralisação das atividades governamentais.
Apesar dessas incertezas, os principais índices acionários continuam a apresentar um desempenho impressionante. Tanto o S&P 500 quanto o Nasdaq Composite encerraram o dia mais uma vez em níveis recordes, reforçando a confiança dos investidores no curto prazo. Contudo, há alertas crescentes de que essa calmaria pode ser temporária. A expectativa é de que 2025 seja um ano marcadamente mais volátil que 2024, com os rumos da economia dependendo amplamente da postura do novo governo e do ritmo de flexibilização da política monetária pelo Federal Reserve.
Nesse contexto, o discurso do presidente do Fed, Jerome Powell, programado para hoje, ganha ainda mais relevância. Ele ocorrerá após a divulgação do Relatório Jolts, que apresentou dados mistos sobre vagas de emprego e rotatividade, indicando possíveis pressões no mercado de trabalho. Além disso, o mercado estará atento a dois importantes documentos econômicos: o Livro Bege do Fed, que será publicado pela última vez neste ano, e o Relatório Nacional de Emprego da ADP para novembro.
· 02:33 — De saída
A Intel está em busca de um novo líder. O anúncio foi motivado pela decisão do CEO Pat Gelsinger de se aposentar, divulgada no início desta semana, supostamente após pressões do conselho de administração para que ele deixasse o cargo. Quando Gelsinger, um veterano da Intel, assumiu a presidência em 2021, havia grandes expectativas de que ele liderasse uma transformação na empresa, que já havia sido a líder indiscutível na produção de chips para PCs. No entanto, sua gestão ficou marcada por uma série de frustrações, incluindo a queda na demanda por computadores pessoais e a contínua perda de participação de mercado para concorrentes como Nvidia e Advanced Micro Devices, que aproveitaram com sucesso o boom dos chips para inteligência artificial (IA).
O momento desafiador da gigante do setor de semicondutores é emblemático. Para entender a relevância histórica da Intel, basta lembrar a famosa Lei de Moore, proposta por seu cofundador Gordon Moore, que previu que o número de transistores em um chip dobraria a cada dois anos, impulsionando exponencialmente o poder computacional. Durante décadas, a Intel, ao lado da Microsoft, dominou o universo da tecnologia graças à sua arquitetura de chips, que se tornou a base para a maioria dos computadores pessoais, gerando lucros extraordinários. No entanto, o contraste entre o destino das duas empresas é revelador.
Quando ficou claro que o futuro da computação estaria na nuvem e nos dispositivos móveis, e não mais exclusivamente nos PCs, a Microsoft. A Intel, por outro lado, mostrou-se complacente, permitindo que rivais como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company assumissem a liderança na fabricação de chips avançados. Paralelamente, a Nvidia se destacou ao desenvolver arquiteturas inovadoras que se provaram superiores, especialmente para aplicações em IA. O desafio agora é monumental.
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· 03:21 — Como se diz “ou vai ou racha” em francês?
O governo francês enfrenta hoje uma moção de desconfiança decisiva, com partidos de esquerda e direita unidos contra a administração atual. Caso a moção seja aprovada, o primeiro-ministro Michel Barnier poderá ter o mandato mais curto da história desde a fundação da Quinta República da França, em 1958. Se o governo cair, o cenário mais provável será a formação de uma administração interina, mantendo os acordos fiscais vigentes — um sinal de inércia política.
O presidente Emmanuel Macron apelou aos legisladores para rejeitarem a moção, alertando que a derrubada do governo mergulharia o país em uma profunda turbulência política. Macron também reafirmou que não renunciará antes do final de seu mandato, previsto para 2027, mesmo que o atual governo seja destituído. No entanto, mesmo que Barnier consiga sobreviver à votação, é pouco provável que consiga aprovar um orçamento dentro dos parâmetros acordados pela Zona do Euro. Essa incapacidade lança dúvidas sobre a sustentabilidade fiscal, um dos pilares do eixo franco-alemão que sustenta a União Europeia. Essas incertezas podem gerar um impacto negativo significativo no euro.
Sob a perspectiva do mercado, o pior cenário seria o colapso do governo, o que resultaria em uma administração interina enfraquecida pelos próximos seis meses. As implicações orçamentárias dessa paralisia são preocupantes, aumentando os riscos para a economia francesa e para a estabilidade da zona do euro. Para complicar ainda mais a situação, a turbulência política não se limita à França. Na Alemanha, a instabilidade também está crescendo, com eleições antecipadas programadas para fevereiro. Nesse contexto, políticos alemães estão buscando reformular alianças.
Friedrich Merz, líder da oposição conservadora e chefe da União Democrata Cristã (CDU), recuou de suas duras críticas ao partido dos Verdes, deixando em aberto a possibilidade de uma futura coalizão, caso a CDU vença as eleições. Este retorno ao poder marcaria o fim de um período fora do governo desde a saída de Angela Merkel. Antes disso, no entanto, a crise política alemã pode se agravar ainda em dezembro, quando o atual chanceler, Olaf Scholz, enfrenta seu próprio voto de desconfiança, com grandes chances de ser derrotado. Uma eventual queda de Scholz traria mais instabilidade à zona do euro e intensificaria a pressão sobre a moeda do bloco.
· 04:19 — Impeachment à vista
O principal partido de oposição da Coreia do Sul anunciou sua intenção de destituir o presidente Yoon Suk Yeol, após este ter tomado a chocante decisão de impor, ainda que brevemente, um decreto de lei marcial sobre o país. Todos os membros de seu gabinete ofereceram suas renúncias. Embora as consequências econômicas imediatas dessa crise política sejam limitadas, o impacto mais significativo está no contexto mais amplo. Lei marcial simplesmente não deveria ser uma realidade em economias avançadas. O “rule of law” e o respeito ao Estado de direito são pilares fundamentais para manter a confiança de investidores e fomentar a inovação. Ao adotar essa medida extrema, Yoon Suk Yeol colocou em risco o legado de sucesso alcançado por décadas de democracia consolidada na Coreia do Sul.
O decreto conferia ao presidente poderes extraordinários sob a justificativa de que a oposição estaria tentando paralisar sua administração e ameaçar a ordem constitucional, com menções a supostas forças pró-Coreia do Norte. Essa decisão abrupta foi amplamente rejeitada pelos legisladores imediatamente, expondo um cenário de crescente instabilidade política. O episódio ocorre após meses de impasse no parlamento, onde o governo de minoria de Yoon tem enfrentado um confronto direto com o principal partido de oposição, o Partido Democrata, que tenta aprovar sua própria proposta orçamentária, trazendo à tona mais uma crise ligada à questão fiscal.
Além de ser percebido como uma manobra de sobrevivência política, a lei marcial pode ser vista sob um prisma ainda mais preocupante: um potencial revés democrático, que fortalece narrativas autoritárias em Pequim e Pyongyang. Para esses regimes, o incidente serve como mais uma evidência de que democracias maduras podem se fragilizar em meio a crises internas. Essa percepção não apenas abala a confiança na estabilidade política da Coreia do Sul, mas também levanta dúvidas sobre a resiliência das democracias na região diante de pressões econômicas e políticas. O incidente é um lembrete contundente de que o equilíbrio atual é delicado.
· 05:04 — Uma cara nova vai bastar?
A saída repentina de Pat Gelsinger do comando da Intel não alterará imediatamente o curso de uma empresa que vem enfrentando dificuldades há anos. Perder terreno para concorrentes como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company é um processo que começou muito antes de Gelsinger assumir a liderança, em 2021. A ausência de uma substituição clara para o cargo de CEO reforça a impressão de que a empresa está em busca de uma mudança significativa (candidatos externos).
A questão que se impõe é: uma nova liderança será suficiente para reverter o cenário?