
Imagem: iStock/ Dilok Klaisataporn
Depois de cinco pregões consecutivos de pura carnificina nos EUA — com o pânico rapidamente se espalhando pelos mercados globais —, o presidente Donald Trump finalmente recuou de sua cruzada tarifária mal calibrada. Após as retaliações da China — que respondeu ao tarifaço de 104% dos EUA com um revide igualmente agressivo, elevando suas tarifas sobre produtos americanos para 84% — e diante da pressão crescente vinda do mercado de títulos, a trégua enfim chegou. Ou melhor, aquilo que pode ser descrito, com boa vontade, como uma suspensão tática da insanidade.
Trump anunciou que as chamadas tarifas “recíprocas” contra os demais países (fora China) cairão para 10% por um período de 90 dias. Um alívio temporário, mas suficiente para provocar euforia nos mercados. O S&P 500 explodiu mais de 9%, revertendo de forma quase teatral a sequência de quedas que já colocava o índice em mercado de baixa, com recuo próximo a 20%. Já o Nasdaq 100 — epicentro da destruição recente, por conta da dependência da tecnologia — teve sua maior alta diária desde o pânico de outubro de 2008. Nesta manhã, os reflexos positivos se estendem à Europa, onde a União Europeia também decidiu colocar em pausa, pelo mesmo período de 90 dias, as retaliações que preparava contra os americanos.
O estrago, porém, já está feito. As tarifas foram atenuadas, é verdade — mas continuam lá, firmes. E, no caso da China, ainda mais surreais: agora em 125%. Não estamos mais diante do pior dos mundos, o que naturalmente abre espaço para alívio nos mercados. Mas está longe de ser um retorno à normalidade. O que temos é, na melhor das hipóteses, uma trégua precária em uma guerra ainda distante do fim.
· 00:54 — Acompanhou
Antes de mergulharmos nos desdobramentos internacionais, vale uma pausa para olhar o nosso próprio quintal. No Brasil, os ativos locais aproveitaram o alívio vindo de fora após o recuo de Trump em sua guerra comercial. O Ibovespa disparou 3,12%, encerrando o dia nos 127.796 pontos, enquanto o dólar devolveu parte da esticada recente e recuou 2,54%, voltando para R$ 5,84 — após ter flertado perigosamente com os R$ 6 na máxima do pregão. O alívio também veio com a retomada das commodities, beneficiando naturalmente a nossa bolsa de perfil mais cíclico.
Em meio ao dia de euforia, um detalhe curioso: o presidente Lula, na IX Cúpula da Celac, em Honduras, defendeu abertamente o livre comércio. Imagino o Lula sindicalista dos anos 1980 olhando para o Lula 2025 com uma mistura de perplexidade e confusão. Brincadeiras à parte, o recuo norte-americano tem um efeito imediato por aqui: retira, ao menos temporariamente, a cortina de fumaça que vinha permitindo ao governo brasileiro ganhar algum fôlego diante da piora dos dados de popularidade.
Sob essa ótica, a realidade segue implacável. As últimas pesquisas mostram Lula sendo reprovado por mais de 50% dos brasileiros — número que vem crescendo de forma consistente, inclusive nos nichos onde o petista venceu com folga em 2022: mulheres, nordestinos, classes mais baixas e católicos. Um quadro que, em qualquer lugar do mundo, acenderia alertas vermelhos no Palácio do Planalto.
Ainda assim, o jogo para 2026 segue travado. O antipetismo continua vigoroso, mas o antibolsonarismo ainda é um freio poderoso, criando um ambiente no qual Lula sobrevive não pelo entusiasmo de seu eleitorado, mas pela falta de opções claras e organizadas na oposição. A equação é simples: sem Lula, a sucessão presidencial fluiria de forma muito mais natural para um nome fiscalista e pró-mercado — algo que hoje só esbarra na incerteza sobre sua real disposição de disputar novo mandato.
Nesse cenário, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, permanece como o nome mais competitivo dentro da oposição. Não apenas por governar o estado mais rico e populoso do país, mas por ser o herdeiro natural do capital político bolsonarista, ao mesmo tempo em que tenta — com relativo sucesso — se descolar dos excessos do ex-presidente. O pêndulo político brasileiro está claramente pronto para se mover. O esgotamento do lulopetismo se impõe a cada nova pesquisa. Falta agora a outra ponta da história: um projeto reformista minimamente organizado, com credibilidade suficiente para empurrar o país além dessa polarização exaurida e empobrecedora.
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· 01:59 — Reversão histórica
Nos Estados Unidos, a guinada repentina de Donald Trump — tão abrupta quanto previsível — desencadeou uma das reações mais eufóricas já registradas nos mercados financeiros. Quem me acompanhou nos últimos dias sabe que esse desfecho estava longe de ser uma surpresa: diante da absoluta inviabilidade econômica do tarifaço anunciado na semana passada, era natural que o presidente buscasse, em algum momento, um recuo minimamente disfarçado. Cheguei a ventilar aqui mesmo a hipótese de uma pausa de 90 dias — o que acabou acontecendo.
O resultado foi histórico. O S&P 500 saltou 9,5% — trata-se da terceira maior alta diária desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O VIX, índice de volatilidade, desabou 36% — a maior queda de um único dia da história. Os spreads de crédito nos Estados Unidos tiveram a maior compressão desde abril de 2020, no auge das intervenções monetárias da pandemia. E as apostas do mercado voltaram a precificar com força um corte de juros de 75 pontos-base pelo Fed em 2025, distribuídos em três quedas de 25 pontos cada. Particularmente, sigo cético quanto a esse ritmo — algo entre um e dois cortes me parece mais plausível —, mas não é um cenário fora do radar.
A mudança de tom não passou despercebida nem mesmo por quem já havia decretado o pior: o Goldman Sachs, que recentemente flertava com a recessão como cenário-base para 2025, voltou a projetar um crescimento de 0,5% do PIB dos EUA com a trégua tarifária. No agregado, o mercado de ações americano adicionou nada menos que US$ 5,1 trilhões em valor de mercado em poucas sessões — um respiro considerável, ainda que não suficiente para apagar os US$ 7,7 trilhões perdidos entre os dias 2 e 8 de abril. Na agenda, o CPI (índice de preços ao consumidor) de março até aparece, mas convenhamos: depois dos últimos movimentos, o dado perdeu parte considerável de sua relevância imediata. O que importa, a partir daqui, são os próximos capítulos — e o histórico recente sugere que o roteiro continuará tudo, menos linear.
· 02:35 — Xadrez 16D: a genialidade invisível que só os apoiadores enxergam
É quase divertido observar o esforço retórico dos apoiadores mais devotos de Donald Trump para tentar justificar o vai e vem do presidente. A argumentação do “faz tudo parte do plano” sempre está presente. A verdade nua e crua é que o tarifaço, tal como concebido e anunciado na semana passada, foi um erro grosseiro, fruto de uma leitura equivocada de força política e de realidade econômica. Trump acreditou, mais uma vez, que poderia impor sua vontade ao mundo à base da porrada. Não conseguiu.
Fato é que a Casa Branca sentiu o golpe. A reação violenta dos mercados, a deterioração rápida dos indicadores financeiros e o risco crescente de desorganização global foram ingredientes suficientes para forçar o recuo. A suspensão das tarifas por 90 dias não é um gesto de força; é um movimento defensivo, na tentativa de estancar uma crise que começava a ameaçar não apenas a economia americana, mas o próprio prestígio geopolítico dos EUA (a pressão sobre os Treasuries foi prova disso).
O alívio, ao menos temporário, foi comemorado em diversas capitais ao redor do mundo. O Japão, por exemplo, já avisou que pretende usar essa janela para dobrar a pressão diplomática sobre Washington. A Coreia do Sul celebrou abertamente o adiamento, destacando que ele oferece fôlego às suas indústrias para se prepararem melhor. Outros países seguirão o mesmo caminho, vendo uma chance de rearranjo.
A China segue no centro do tabuleiro. O gigante asiático ficou de fora da suspensão das tarifas — pelo contrário, viu as taxas americanas subirem ainda mais, para surreais 125%. O recado é óbvio: a verdadeira batalha da política externa americana continua sendo com Pequim. É um consenso em Washington, compartilhado por democratas e republicanos, que a contenção da China é objetivo estratégico prioritário. O problema é que o tarifaço da semana passada fugiu completamente desse script.
Eu, pessoalmente, lamento — e muito — porque esse episódio consumiu exatamente o que um governo precisa de mais precioso para avançar em reformas relevantes: capital político e credibilidade. Ambos foram queimados em praça pública, de maneira ruidosa e, pior, desnecessária. São esses ativos — confiança, previsibilidade e capacidade de articulação — que permitiriam a Trump, em condições normais, avançar em pautas genuinamente pró-mercado: redução do tamanho do Estado, desburocratização, simplificação tributária. Medidas que, de fato, poderiam gerar ganhos duradouros para a economia americana, servir de referência internacional e, quem sabe, inspirar até o Brasil a sair de seus próprios labirintos burocráticos. Em vez disso, o que se viu foi energia desperdiçada num tarifaço atabalhoado, que deixou cicatrizes e comprometeu parte do fôlego político necessário para qualquer agenda mais séria daqui em diante.
Ainda é cedo para apostar numa desescalada real. O clima é de trégua tática, não de reconciliação duradoura. E, até aqui, o maior legado do segundo mandato de Trump na economia global tem sido a incerteza — esse ambiente em que as regras mudam de uma semana para outra, os impulsos de curto prazo atropelam a racionalidade e o custo da instabilidade começa a se acumular perigosamente. Recuar era o mínimo.
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· 03:21 — Mas a guerra ainda não acabou…
Apesar do recuo parcial de Trump, as tarifas de 10% sobre praticamente todos os parceiros comerciais dos EUA continuam firmes — assim como as taxas adicionais sobre setores específicos, como aço, alumínio e automóveis. No caso de Canadá e México, salvo os produtos protegidos pelo acordo comercial norte-americano, as tarifas de 10% a 25% seguem intactas. Para a União Europeia, a alíquota ficou em 10%. E no coração do problema — a relação entre EUA e China — a situação é ainda mais dramática: comércio praticamente paralisado e o pior ambiente bilateral em décadas.
Em outras palavras, a guerra comercial não terminou — ela apenas mudou de formato. As tarifas efetivas seguem cerca de 20 pontos percentuais acima dos níveis do início do ano. O impacto inflacionário é concreto. A China até pode contornar parte dos efeitos, desviando exportações ou absorvendo parte dos custos, mas o consumidor americano não sairá ileso. A diferença entre o cenário de hoje e o caos da semana passada é que, agora, o risco de recessão diminuiu — mas segue elevado.
E não foi por lucidez espontânea da Casa Branca. Foi o mercado de títulos do Tesouro dos EUA que ensinou a lição a Trump. Scott Bessent, secretário do Tesouro, já havia avisado que sua atenção estava muito mais voltada para os juros de 10 anos do que para o S&P 500 — e não estava blefando. Quando os yields começaram a disparar, sinalizando fuga de compradores e desconfiança na solvência americana, o alarme soou forte demais para ser ignorado. Pior: fundos alavancados começaram a ser forçados a vender títulos, enquanto a própria China se desfez de parte de suas reservas em Treasuries, pressionando ainda mais as taxas. Foi isso que obrigou Trump a recuar. Os títulos do Tesouro são o alicerce do sistema financeiro global. Flertar com um “momento Liz Truss” nos EUA — aquele colapso relâmpago no Reino Unido após um tarifaço mal calculado que já comentei aqui — seria brincar com fogo demais.
· 04:13 — Eles estão de volta
Na Alemanha, Friedrich Merz finalmente costurou um acordo de coalizão com os sociais-democratas, pavimentando o caminho para se tornar o novo chanceler justamente num dos momentos mais turbulentos — interna e externamente — para a maior economia da Europa. Trata-se de um movimento relevante, não apenas pelo efeito doméstico, mas porque recoloca a Alemanha, terceira maior economia do planeta, no centro do tabuleiro geopolítico internacional com um governo funcional e musculatura política para agir. A chamada “Grande Coalizão” entre conservadores e sociais-democratas, que já foi uma exceção na política alemã, passa agora a ser quase um expediente recorrente — esta será a quinta aliança do tipo desde o pós-guerra. Mas, dadas as circunstâncias, o pragmatismo parece ter vencido a ideologia.
Convenhamos: a Alemanha precisava urgentemente de estabilidade. Essa reorganização não poderia acontecer em momento mais estratégico. Com os Estados Unidos pressionando a União Europeia a assinar um pacote de compras de energia de nada menos que US$ 350 bilhões — como moeda de troca para o alívio parcial das tarifas —, a presença de uma Alemanha articulada e com liderança legítima na mesa de negociações muda o jogo. França e Itália já estão engajadas nessa costura, mas o peso político e econômico alemão tende a ser determinante. Nos próximos 90 dias, o xadrez comercial global passa, inevitavelmente, por Berlim. E, ao que tudo indica, Merz chega ao tabuleiro no momento exato em que a Europa mais precisa dele.
· 05:06 — Hora de comprar?
O S&P 500 protagonizou ontem (9) um dos movimentos mais impressionantes da história recente dos mercados. Registrou a maior reversão de mínima para máxima intradiária desde 2008 — superando inclusive o famoso flash crash de 2010. Para completar o espetáculo, o ETF que replica a Mag7 — as sete maiores techs dos EUA — teve o maior retorno diário de toda a sua série histórica. No fim do dia, o S&P 500 avançou 9,5%, configurando o terceiro …