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Observar os mercados globais nesta manhã é como encarar um mosaico sem padrão definido.
Na Ásia, os índices fecharam de forma mista, refletindo a avaliação dos investidores sobre os anúncios chineses de incentivo à recompra de ações pelas empresas locais. Ainda que o mercado tenha recebido bem a medida, as expectativas permanecem altas por ações mais robustas do governo chinês, especialmente agora que Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos.
O cenário na Europa também é de incerteza. Por lá, os investidores aguardam com cautela a participação virtual de Trump no Fórum Econômico Mundial de Davos, onde ele responderá a perguntas de executivos europeus. Como já é de costume, sua comunicação deve gerar ruídos significativos, especialmente em temas sensíveis como tarifas.
Apesar disso, até o momento, a possibilidade de Trump adotar uma postura menos agressiva em relação a tarifas tem sido bem recebida pelos mercados. Contudo, o novo presidente americano não perdeu a chance de provocar seus alvos preferidos: México, Canadá, China e, mais recentemente, Rússia. Trump ameaçou impor novas sanções ao Kremlin caso a guerra em curso não seja encerrada. A resposta russa, previsivelmente estratégica, foi ignorar publicamente a ameaça. Autoridades russas afirmaram que não há pressa para terminar o conflito – uma posição que soa mais como tática diplomática do que como verdade. Vladimir Putin, evidentemente, também quer encerrar a guerra, mas apenas em termos que favoreçam seus interesses. A grande incógnita é como esse acordo poderá ser alcançado.
Ainda assim, só a perspectiva de uma possível descompressão no risco geopolítico já surtiu efeito nos mercados de commodities. O preço do barril de petróleo caiu para menos de US$ 80, refletindo as expectativas de uma possível estabilização na região. Para o Brasil, o melhor cenário neste momento é permanecer fora do radar de Trump. Um Trump menos beligerante, além de reduzir tensões globais, também tende a aliviar pressões inflacionárias, possibilitando cortes de juros adicionais e sustentando um dólar mais fraco – ambos fatores que poderiam impulsionar os ativos brasileiros.
· 00:59 — A dor de cabeça não para
E por falar no Brasil, o pregão de ontem (22) foi um retrato curioso e emblemático do momento que vivemos. Os movimentos do mercado financeiro não foram nada uniformes. O dólar fechou abaixo de R$ 6 pela primeira vez neste ano, atingindo o menor nível desde 27 de novembro. Naquele dia, Haddad fez um pronunciamento sobre o suposto pacote de contenção de crescimento dos gastos, que acabou se mostrando medíocre e foi rapidamente ofuscado pela questão da isenção do IR.
Como já discuti anteriormente, há mérito em debater a reforma tributária da renda (o próprio Paulo Guedes já falava sobre isso, assim como a Receita Federal), mas é essencial que ela seja feita no momento adequado, de forma planejada e com uma comunicação apropriada. Apesar do alívio cambial, que também se refletiu em uma leve melhora nos juros, a Bolsa não seguiu o mesmo caminho. Seguimos presos ao padrão de “voos de galinha”: pequenas altas episódicas seguidas por correções, como tem ocorrido repetidamente nas últimas semanas. Esse ciclo reflete o pessimismo generalizado em relação ao Brasil, tanto entre gestores locais quanto no cenário internacional.
O desinteresse pelo Brasil é patente. Como bem destacou David Vélez, presidente do Nubank (ROXO34), em sua passagem por Davos: “Ninguém fala do Brasil hoje, a gente não está no radar de ninguém.” Isso é alarmante para um país que depende de recursos estrangeiros devido à insuficiência de poupança interna. No entanto, é importante reconhecer que parte desse pessimismo já está precificado nos ativos. Com valuations extremamente baixos, a posição técnica do mercado é interessante, ainda que a verdadeira virada só deva ocorrer no médio prazo, com a evolução do ciclo político.
O cenário é agravado pela falta de direcionamento claro do governo, que parece incapaz de entender a profundidade do problema. Uma nova pesquisa, aguardada para os próximos dias, deve confirmar a queda acentuada na popularidade do presidente Lula que tenho comentado há algum tempo — algo que ele nunca experimentou, nem mesmo nos piores momentos do Mensalão. No entanto, a resposta do governo tem sido míope, tratando a crise como um problema de comunicação. Isso equivale a tomar uma dipirona ao contrário: a dor de cabeça não apenas persiste, mas tende a piorar.
Medidas paliativas, como tentativas de reduzir os preços dos alimentos, estão sendo discutidas, mas a maioria delas é ineficaz ou até risível. A cogitação de alterar os prazos de validade dos alimentos, por exemplo, foi um exemplo claro do desespero e da falta de estratégia estrutural. Apesar disso, o momento reforça a tese de uma alternância de poder em 2026. Sem um plano fiscal robusto e uma visão de longo prazo, o governo parece cada vez mais desconectado das demandas econômicas e políticas, alimentando as condições para uma mudança de rumo no cenário político.
· 01:44 — O bom humor continua
Nos Estados Unidos, o índice S&P 500 alcançou ontem um marco importante ao tocar brevemente a marca de 6.100 pontos, estabelecendo um novo recorde intradiário. Apesar do feito, o índice encerrou o dia em 6.086, com alta de 0,6%, ligeiramente abaixo do pico alcançado durante o pregão. Esse resultado representa o terceiro maior fechamento da história do índice, ficando a menos de 0,1% do recorde registrado em 6 de dezembro. O nervosismo persistente em torno das potenciais tarifas anunciadas por Trump pode ter exercido pressão suficiente para impedir um novo recorde.
Enquanto isso, o setor de tecnologia continua a ser um dos destaques, impulsionado não apenas pela robusta temporada de resultados corporativos, mas também pelo impacto positivo do recém-anunciado Projeto Stargate, que comentei ontem. O projeto deu um impulso significativo às ações relacionadas à inteligência artificial e data centers, apesar da crítica pública de Elon Musk (ficou triste por ter ficado de fora).
Para hoje, o mercado aguarda a divulgação de novos resultados corporativos de empresas como Freeport-McMoRan, GE Aerospace, Intuitive Surgical, Texas Instruments e Union Pacific. Além disso, na agenda econômica, teremos os dados semanais de pedidos de auxílio-desemprego, que continuam a ser um termômetro importante para avaliar a saúde do mercado de trabalho americano. O contexto atual reforça o otimismo cauteloso no mercado, enquanto investidores equilibram expectativas com possíveis riscos geopolíticos e econômicos.
· 02:31 — Ameaçou
O presidente Trump emitiu ontem um alerta contundente à Rússia, ameaçando implementar novas sanções comerciais caso o presidente Vladimir Putin não avance rapidamente em direção a um acordo para encerrar a guerra na Ucrânia. Demonstrando que seu estilo negocial característico está mais ativo do que nunca, Trump volta a utilizar posições maximalistas como ferramenta para forçar concessões que favoreçam os interesses dos EUA, buscando um meio-termo mais vantajoso em relação ao ponto de partida das negociações. Vimos isso no primeiro mandato.
A urgência de Trump em demonstrar resultados tangíveis é evidente. Ele busca não apenas resolver o conflito na Ucrânia, mas também garantir estabilidade no Oriente Médio, com foco na fronteira de Israel com Gaza e no Líbano. Sua estratégia é clara: aumentar significativamente a pressão sobre os principais atores envolvidos, especialmente Moscou, na tentativa de acelerar as tratativas de paz.
Como esperado, o Kremlin respondeu que “não tem pressa” para assinar um acordo com a Ucrânia, um posicionamento amplamente reconhecido como tático. Apesar da retórica, é evidente que a Rússia deseja encerrar o conflito — mas exclusivamente em seus próprios termos. Essa postura reflete a complexidade das negociações e os desafios que Trump enfrentará para transformar suas declarações em ações concretas.
·03:22 — Uma Europa fraca
Em uma tentativa de evitar um colapso ainda maior de sua já fragilizada economia, a União Europeia considera propor uma cooperação mais estreita com os Estados Unidos em uma frente unificada contra a China. O objetivo é claro: buscar a aprovação do presidente Donald Trump e, ao mesmo tempo, desviar a atenção de potenciais tensões comerciais que possam prejudicar ainda mais o bloco europeu.
Enquanto isso, o chanceler alemão Olaf Scholz, que está prestes a deixar o cargo, revelou planos de implementar um programa de incentivos para a compra de veículos elétricos em todo o bloco. A medida busca oferecer um respiro aos fabricantes de automóveis, que enfrentam dificuldades em um cenário de desaceleração econômica.
O contexto econômico europeu é tão delicado que, mesmo com a incerteza em relação à postura de Trump, o Banco Central Europeu (BCE) deve manter o curso de cortes de juros para estimular a atividade econômica. Essa necessidade de estímulo ficou ainda mais evidente com os dados recentes: a confiança dos investidores na Alemanha caiu além do esperado, em um momento em que a maior economia da Europa registrou contração pelo segundo ano consecutivo em 2024.
Aliás, para a Alemanha, um possível ponto de inflexão pode vir das eleições marcadas para 23 de fevereiro, quando a aliança conservadora CDU/CSU é amplamente vista como favorita para vencer, possivelmente em coalizão com os sociais-democratas ou os verdes. Diferentemente da maior parte da União Europeia, a Alemanha ainda dispõe de margem fiscal para implementar políticas de estímulo econômico que podem melhorar suas perspectivas de crescimento. Sob uma administração mais pró-mercado, a economia alemã pode encontrar o impulso necessário para sair do atoleiro, liderando um esforço mais amplo de recuperação no continente. Pode ser um ponto de virada.
· 04:18 — Lei do mais forte
Se a tese de Ian Bremmer, do Eurasia Group, estiver correta, estamos nos aproximando de um mundo desprovido de uma liderança global clara — um cenário que já mencionei anteriormente neste espaço. Nenhuma potência individual, tampouco um grupo de nações, parece atualmente disposto ou capaz de articular uma agenda global coesa ou de sustentar a ordem internacional. Este vácuo de liderança deve tornar-se particularmente perigoso em 2025, criando as condições ideais para uma instabilidade geopolítica crônica. O risco de uma crise global de proporções geracionais é maior agora do que em qualquer outro momento de nossas vidas.
Nesse contexto, o sistema internacional tende a operar como uma espécie de “lei do mais forte”, alinhando-se àquilo que Henry Kissinger, em vida, já caracterizava como uma Nova Guerra Fria. A ausência de uma governança centralizada ou de um equilíbrio estável no poder global resulta em uma ordem cada vez mais fragmentada, em que interesses nacionais e regionais se chocam com maior frequência.
O cerne do problema reside na desconexão entre as instituições internacionais existentes e a realidade do poder global contemporâneo. Organizações como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, outrora pilares da ordem mundial, já não refletem o atual equilíbrio de forças. Estamos vivenciando uma espécie de “recessão geopolítica e diplomática” — um ciclo de retração nas relações internacionais que pode ser atribuído a três fatores estruturais: i) fracasso do Ocidente em integrar a Rússia à ordem global após o colapso da União Soviética, perpetuando rivalidades e tensões latentes; ii) não-ocidentalização do regime político chinês, que, apesar de prosperar com o comércio global, rejeitou a adoção da democracia liberal como modelo social e político; e iii) desconfiança generalizada nas instituições e no establishment ocidentais, agravada por crises internas e promessas não cumpridas de progresso econômico.
Essa crise de liderança global está sendo exacerbada por um conjunto de fatores adicionais que tornam o momento ainda mais delicado: a saturação fiscal dos governos, problemas demográficos em várias nações, o aumento acelerado das desigualdades, a hiperdigitalização e a polarização política. Vivemos, sem dúvida, um momento histórico — um ponto de inflexão em que a arquitetura da governança global, moldada após a Segunda Guerra Mundial, está claramente em colapso. O que virá em seu lugar, no entanto, permanece uma questão aberta e profundamente incerta.
· 05:06 — Complementando sua sofisticação internacional
Ontem, comentei sobre a importância de manter cerca de 30% de nossas carteiras em ativos denominados em moeda forte, especialmente o dólar. A construção dessa parte do portfólio deve seguir uma lógica própria, com alocações como a tradicional 60/40 (60% ações e 40% renda fixa). Podemos debater se essa alocação ainda é válida ou apresentar alternativas de estratégias internacionais, mas, para ilustrar a internacionalização, ela serve muito bem. Os clássicos nunca saem de moda…