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Dólar fecha abaixo de R$ 6 e mercados parecem ‘mosaico sem padrão’ nesta quinta-feira (23): veja os destaques

Veja os destaques internacionais e do Brasil no mercado financeiro hoje com o Mercado em 5 Minutos.

Por Matheus Spiess

23 jan 2025, 09:18 - atualizado em 23 jan 2025, 09:18

bolsa de valores ibovespa mercado

Imagem: iStock/ y-studio

Observar os mercados globais nesta manhã é como encarar um mosaico sem padrão definido.

Na Ásia, os índices fecharam de forma mista, refletindo a avaliação dos investidores sobre os anúncios chineses de incentivo à recompra de ações pelas empresas locais. Ainda que o mercado tenha recebido bem a medida, as expectativas permanecem altas por ações mais robustas do governo chinês, especialmente agora que Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos.

O cenário na Europa também é de incerteza. Por lá, os investidores aguardam com cautela a participação virtual de Trump no Fórum Econômico Mundial de Davos, onde ele responderá a perguntas de executivos europeus. Como já é de costume, sua comunicação deve gerar ruídos significativos, especialmente em temas sensíveis como tarifas.

Apesar disso, até o momento, a possibilidade de Trump adotar uma postura menos agressiva em relação a tarifas tem sido bem recebida pelos mercados. Contudo, o novo presidente americano não perdeu a chance de provocar seus alvos preferidos: México, Canadá, China e, mais recentemente, Rússia. Trump ameaçou impor novas sanções ao Kremlin caso a guerra em curso não seja encerrada. A resposta russa, previsivelmente estratégica, foi ignorar publicamente a ameaça. Autoridades russas afirmaram que não há pressa para terminar o conflito – uma posição que soa mais como tática diplomática do que como verdade. Vladimir Putin, evidentemente, também quer encerrar a guerra, mas apenas em termos que favoreçam seus interesses. A grande incógnita é como esse acordo poderá ser alcançado.

Ainda assim, só a perspectiva de uma possível descompressão no risco geopolítico já surtiu efeito nos mercados de commodities. O preço do barril de petróleo caiu para menos de US$ 80, refletindo as expectativas de uma possível estabilização na região. Para o Brasil, o melhor cenário neste momento é permanecer fora do radar de Trump. Um Trump menos beligerante, além de reduzir tensões globais, também tende a aliviar pressões inflacionárias, possibilitando cortes de juros adicionais e sustentando um dólar mais fraco – ambos fatores que poderiam impulsionar os ativos brasileiros.

· 00:59 — A dor de cabeça não para

E por falar no Brasil, o pregão de ontem (22) foi um retrato curioso e emblemático do momento que vivemos. Os movimentos do mercado financeiro não foram nada uniformes. O dólar fechou abaixo de R$ 6 pela primeira vez neste ano, atingindo o menor nível desde 27 de novembro. Naquele dia, Haddad fez um pronunciamento sobre o suposto pacote de contenção de crescimento dos gastos, que acabou se mostrando medíocre e foi rapidamente ofuscado pela questão da isenção do IR.

Como já discuti anteriormente, há mérito em debater a reforma tributária da renda (o próprio Paulo Guedes já falava sobre isso, assim como a Receita Federal), mas é essencial que ela seja feita no momento adequado, de forma planejada e com uma comunicação apropriada. Apesar do alívio cambial, que também se refletiu em uma leve melhora nos juros, a Bolsa não seguiu o mesmo caminho. Seguimos presos ao padrão de “voos de galinha”: pequenas altas episódicas seguidas por correções, como tem ocorrido repetidamente nas últimas semanas. Esse ciclo reflete o pessimismo generalizado em relação ao Brasil, tanto entre gestores locais quanto no cenário internacional.

O desinteresse pelo Brasil é patente. Como bem destacou David Vélez, presidente do Nubank (ROXO34), em sua passagem por Davos: “Ninguém fala do Brasil hoje, a gente não está no radar de ninguém.” Isso é alarmante para um país que depende de recursos estrangeiros devido à insuficiência de poupança interna. No entanto, é importante reconhecer que parte desse pessimismo já está precificado nos ativos. Com valuations extremamente baixos, a posição técnica do mercado é interessante, ainda que a verdadeira virada só deva ocorrer no médio prazo, com a evolução do ciclo político.

O cenário é agravado pela falta de direcionamento claro do governo, que parece incapaz de entender a profundidade do problema. Uma nova pesquisa, aguardada para os próximos dias, deve confirmar a queda acentuada na popularidade do presidente Lula que tenho comentado há algum tempo — algo que ele nunca experimentou, nem mesmo nos piores momentos do Mensalão. No entanto, a resposta do governo tem sido míope, tratando a crise como um problema de comunicação. Isso equivale a tomar uma dipirona ao contrário: a dor de cabeça não apenas persiste, mas tende a piorar.

Medidas paliativas, como tentativas de reduzir os preços dos alimentos, estão sendo discutidas, mas a maioria delas é ineficaz ou até risível. A cogitação de alterar os prazos de validade dos alimentos, por exemplo, foi um exemplo claro do desespero e da falta de estratégia estrutural. Apesar disso, o momento reforça a tese de uma alternância de poder em 2026. Sem um plano fiscal robusto e uma visão de longo prazo, o governo parece cada vez mais desconectado das demandas econômicas e políticas, alimentando as condições para uma mudança de rumo no cenário político.

· 01:44 — O bom humor continua

Nos Estados Unidos, o índice S&P 500 alcançou ontem um marco importante ao tocar brevemente a marca de 6.100 pontos, estabelecendo um novo recorde intradiário. Apesar do feito, o índice encerrou o dia em 6.086, com alta de 0,6%, ligeiramente abaixo do pico alcançado durante o pregão. Esse resultado representa o terceiro maior fechamento da história do índice, ficando a menos de 0,1% do recorde registrado em 6 de dezembro. O nervosismo persistente em torno das potenciais tarifas anunciadas por Trump pode ter exercido pressão suficiente para impedir um novo recorde.

Enquanto isso, o setor de tecnologia continua a ser um dos destaques, impulsionado não apenas pela robusta temporada de resultados corporativos, mas também pelo impacto positivo do recém-anunciado Projeto Stargate, que comentei ontem. O projeto deu um impulso significativo às ações relacionadas à inteligência artificial e data centers, apesar da crítica pública de Elon Musk (ficou triste por ter ficado de fora).

Para hoje, o mercado aguarda a divulgação de novos resultados corporativos de empresas como Freeport-McMoRan, GE Aerospace, Intuitive Surgical, Texas Instruments e Union Pacific. Além disso, na agenda econômica, teremos os dados semanais de pedidos de auxílio-desemprego, que continuam a ser um termômetro importante para avaliar a saúde do mercado de trabalho americano. O contexto atual reforça o otimismo cauteloso no mercado, enquanto investidores equilibram expectativas com possíveis riscos geopolíticos e econômicos.

· 02:31 — Ameaçou

O presidente Trump emitiu ontem um alerta contundente à Rússia, ameaçando implementar novas sanções comerciais caso o presidente Vladimir Putin não avance rapidamente em direção a um acordo para encerrar a guerra na Ucrânia. Demonstrando que seu estilo negocial característico está mais ativo do que nunca, Trump volta a utilizar posições maximalistas como ferramenta para forçar concessões que favoreçam os interesses dos EUA, buscando um meio-termo mais vantajoso em relação ao ponto de partida das negociações. Vimos isso no primeiro mandato.

A urgência de Trump em demonstrar resultados tangíveis é evidente. Ele busca não apenas resolver o conflito na Ucrânia, mas também garantir estabilidade no Oriente Médio, com foco na fronteira de Israel com Gaza e no Líbano. Sua estratégia é clara: aumentar significativamente a pressão sobre os principais atores envolvidos, especialmente Moscou, na tentativa de acelerar as tratativas de paz.

Como esperado, o Kremlin respondeu que “não tem pressa” para assinar um acordo com a Ucrânia, um posicionamento amplamente reconhecido como tático. Apesar da retórica, é evidente que a Rússia deseja encerrar o conflito — mas exclusivamente em seus próprios termos. Essa postura reflete a complexidade das negociações e os desafios que Trump enfrentará para transformar suas declarações em ações concretas.

·03:22 — Uma Europa fraca

Em uma tentativa de evitar um colapso ainda maior de sua já fragilizada economia, a União Europeia considera propor uma cooperação mais estreita com os Estados Unidos em uma frente unificada contra a China. O objetivo é claro: buscar a aprovação do presidente Donald Trump e, ao mesmo tempo, desviar a atenção de potenciais tensões comerciais que possam prejudicar ainda mais o bloco europeu.

Enquanto isso, o chanceler alemão Olaf Scholz, que está prestes a deixar o cargo, revelou planos de implementar um programa de incentivos para a compra de veículos elétricos em todo o bloco. A medida busca oferecer um respiro aos fabricantes de automóveis, que enfrentam dificuldades em um cenário de desaceleração econômica. 

O contexto econômico europeu é tão delicado que, mesmo com a incerteza em relação à postura de Trump, o Banco Central Europeu (BCE) deve manter o curso de cortes de juros para estimular a atividade econômica. Essa necessidade de estímulo ficou ainda mais evidente com os dados recentes: a confiança dos investidores na Alemanha caiu além do esperado, em um momento em que a maior economia da Europa registrou contração pelo segundo ano consecutivo em 2024.

Aliás, para a Alemanha, um possível ponto de inflexão pode vir das eleições marcadas para 23 de fevereiro, quando a aliança conservadora CDU/CSU é amplamente vista como favorita para vencer, possivelmente em coalizão com os sociais-democratas ou os verdes. Diferentemente da maior parte da União Europeia, a Alemanha ainda dispõe de margem fiscal para implementar políticas de estímulo econômico que podem melhorar suas perspectivas de crescimento. Sob uma administração mais pró-mercado, a economia alemã pode encontrar o impulso necessário para sair do atoleiro, liderando um esforço mais amplo de recuperação no continente. Pode ser um ponto de virada.

· 04:18 — Lei do mais forte

Se a tese de Ian Bremmer, do Eurasia Group, estiver correta, estamos nos aproximando de um mundo desprovido de uma liderança global clara — um cenário que já mencionei anteriormente neste espaço. Nenhuma potência individual, tampouco um grupo de nações, parece atualmente disposto ou capaz de articular uma agenda global coesa ou de sustentar a ordem internacional. Este vácuo de liderança deve tornar-se particularmente perigoso em 2025, criando as condições ideais para uma instabilidade geopolítica crônica. O risco de uma crise global de proporções geracionais é maior agora do que em qualquer outro momento de nossas vidas.

Nesse contexto, o sistema internacional tende a operar como uma espécie de “lei do mais forte”, alinhando-se àquilo que Henry Kissinger, em vida, já caracterizava como uma Nova Guerra Fria. A ausência de uma governança centralizada ou de um equilíbrio estável no poder global resulta em uma ordem cada vez mais fragmentada, em que interesses nacionais e regionais se chocam com maior frequência.

O cerne do problema reside na desconexão entre as instituições internacionais existentes e a realidade do poder global contemporâneo. Organizações como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, outrora pilares da ordem mundial, já não refletem o atual equilíbrio de forças. Estamos vivenciando uma espécie de “recessão geopolítica e diplomática” — um ciclo de retração nas relações internacionais que pode ser atribuído a três fatores estruturais: i) fracasso do Ocidente em integrar a Rússia à ordem global após o colapso da União Soviética, perpetuando rivalidades e tensões latentes; ii) não-ocidentalização do regime político chinês, que, apesar de prosperar com o comércio global, rejeitou a adoção da democracia liberal como modelo social e político; e iii) desconfiança generalizada nas instituições e no establishment ocidentais, agravada por crises internas e promessas não cumpridas de progresso econômico.

Essa crise de liderança global está sendo exacerbada por um conjunto de fatores adicionais que tornam o momento ainda mais delicado: a saturação fiscal dos governos, problemas demográficos em várias nações, o aumento acelerado das desigualdades, a hiperdigitalização e a polarização política. Vivemos, sem dúvida, um momento histórico — um ponto de inflexão em que a arquitetura da governança global, moldada após a Segunda Guerra Mundial, está claramente em colapso. O que virá em seu lugar, no entanto, permanece uma questão aberta e profundamente incerta.

· 05:06 — Complementando sua sofisticação internacional

Ontem, comentei sobre a importância de manter cerca de 30% de nossas carteiras em ativos denominados em moeda forte, especialmente o dólar. A construção dessa parte do portfólio deve seguir uma lógica própria, com alocações como a tradicional 60/40 (60% ações e 40% renda fixa). Podemos debater se essa alocação ainda é válida ou apresentar alternativas de estratégias internacionais, mas, para ilustrar a internacionalização, ela serve muito bem. Os clássicos nunca saem de moda…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.