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Em dia de payroll, é o ‘tarifaço’ que segue entalado na garganta dos investidores: veja os destaques do mercado nesta sexta-feira (4)

A ressaca asiática veio em forma de quedas generalizadas, enquanto os índices europeus já esboçam perdas ainda mais acentuadas do que na véspera

Por Matheus Spiess

04 abr 2025, 10:15 - atualizado em 04 abr 2025, 10:15

Imagem representando o payroll ibovespa big techs apple amazon meta mercado tarifaço

Payroll

A sexta-feira chega com a promessa de mais um pregão difícil nos mercados globais. Na agenda do dia, o destaque técnico é o payroll — o relatório de empregos dos EUA —, mas, sejamos honestos, ainda é o baque tarifário de quarta-feira que está entalado na garganta dos investidores. Para quem ainda não conferiu minha análise mais aprofundada sobre o “Dia da Libertação” versão Trump, recomendo a leitura de ontem.

Do lado dos mercados, a ressaca asiática veio em forma de quedas generalizadas, enquanto os índices europeus já esboçam perdas ainda mais acentuadas do que na véspera. Nos Estados Unidos, o estrago foi histórico: assistimos à segunda maior perda de valor de mercado em um único dia no S&P 500 — aproximadamente US$ 2,7 trilhões evaporaram, um número superado apenas pelo colapso de US$ 3,25 trilhões registrado em 16 de março de 2020, no início do choque da pandemia de Covid-19.

As famosas “Magnificent 7” — Apple, Amazon, Nvidia, Meta, Microsoft, Alphabet e Tesla — lideraram o tombo, respondendo por mais de US$ 1 trilhão em perdas. O motivo? Algumas dessas empresas estão profundamente enraizadas em cadeias de produção no Sudeste Asiático — justamente uma das regiões mais penalizadas pelas novas tarifas da Casa Branca. O nervosismo sobre uma recessão iminente foi tamanho que os juros das Treasuries de 10 anos caíram abaixo de 4% pela primeira vez desde setembro passado. Ótimo para a rolagem da dívida americana. Mas a que custo?

· 00:55 — Escapou pela tangente…

Como discutimos ontem, o Brasil acabou escapando por pouco — ou, pelo menos, se saindo melhor no relativo. Isso, claro, não significa que o cenário ficou confortável. Uma tarifa de 10% ainda é um fardo pesado, e, em um mundo ameaçado por desaceleração sincronizada, ninguém está verdadeiramente imune. Mas o fato é que, enquanto as bolsas internacionais afundavam na quinta-feira em resposta às novas tarifas anunciadas por Donald Trump, o Ibovespa teve o atrevimento de caminhar na contramão por boa parte do dia, sustentando uma trajetória de alta. Só não fechou no azul porque as exportadoras, as cíclicas globais e o setor de commodities — justamente os mais sensíveis à nova dinâmica do comércio global — pressionaram o índice para baixo. Mesmo assim, o mercado local deu sinais claros de força. O dólar derreteu e a curva de juros sofreu um ajuste expressivo. O movimento foi tão intenso que os juros futuros passaram a embutir uma Selic terminal de 15%, com cortes já a partir de dezembro. Em um ambiente tão carregado, isso é um alento.

Temos insistido que há três pilares favorecendo o Brasil neste momento: primeiro, a rotação global de portfólios em busca de regiões ainda subavaliadas, após a exuberância em mercados já esticados — e aqui, convenhamos, o Brasil oferece barganhas raras, com posição técnica limpa e comparações favoráveis com 2024. Segundo, o reconhecimento de que o ciclo de aperto monetário, ainda que severo, talvez não seja o pesadelo que se pintava — o que abre espaço para discutir cortes num horizonte não tão distante. E terceiro, a guinada política prevista para 2026, que deve encerrar o ciclo atual e reacender a esperança de uma agenda econômica mais racional. Pois bem: os últimos dias validaram exatamente essas leituras. E isso ajuda a explicar por que os ativos brasileiros vêm mostrando desempenho tão acima da média global neste começo de ano. Não é que o Brasil virou o paraíso dos investidores. É que, num mundo desarranjado, temos o raro luxo de parecer razoáveis.

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· 01:46 — O trajeto

Em termos de fundamento, porém, o caminho à frente está longe de ser fácil. Com o encerramento da temporada de resultados do quarto trimestre de 2024, o panorama corporativo ganha contornos mais nítidos — e, como já era possível antecipar, não exatamente animadores. Ao se excluir os efeitos distorcivos de gigantes como Petrobras e Vale, o retrato agregado revela uma fotografia morna: enquanto as receitas surpreenderam positivamente, superando as estimativas em 4,2%, tanto o EBITDA quanto o lucro líquido ficaram aquém, registrando decepções de 4,2% e 1,4%, respectivamente. Em outras palavras, uma entrega nem desastrosa, nem empolgante, mas claramente insuficiente para reacender o entusiasmo dos investidores.

O ponto mais preocupante, contudo, está na deterioração da qualidade dos números. A fotografia qualitativa da temporada revela um descolamento inquietante: apenas 30% das companhias reportaram resultados classificados como fortes, uma queda relevante em relação aos 42% do trimestre anterior. Simultaneamente, o percentual de resultados fracos saltou de 22% para 34%. Ou seja, o que antes era uma assimetria favorável ao otimismo, virou uma balança claramente pendendo para o lado da frustração. Fruto do processo de aperto monetário, que vai machucar os resultados das empresas mesmo.

Em síntese, a temporada do 4T24 trouxe mais sinais de arrefecimento do que de progresso. Apesar de alguns destaques pontuais aqui e ali, o que se impôs foi o enfraquecimento estrutural da qualidade dos resultados, o aumento da dispersão entre as performances e a perda de tração dos principais motores de crescimento. 

· 02:31 — Tomou calor

Nos EUA, bastaram algumas horas após o anúncio das tarifas globais por parte do presidente Donald Trump para que os mercados derretessem — e não foi pouco. O S&P 500 registrou seu pior desempenho em cinco anos, em uma resposta direta à avalanche tarifária instaurada pela Casa Branca. As novas taxas variam de 34% sobre produtos chineses a 20% sobre itens vindos da União Europeia. Nenhum país escapou: todos estão sujeitos a uma tarifa mínima de 10%. A abrangência e a arbitrariedade dos números são tamanhas que, ironicamente, aumentam a probabilidade de tudo isso acabar virando moeda de troca em negociações. Mas, até lá, o estrago já foi feito.

Para muitos investidores, o pacote tarifário foi o empurrão que faltava para reavaliar — ou simplesmente reduzir — exposição em ações. O temor de uma recessão, antes apagado, agora já ronda com passos firmes. E o timing ajuda pouco: hoje sai o payroll, o relatório oficial de emprego de março, que pode jogar ainda mais gasolina nessa fogueira de incerteza. O consenso espera um aumento modesto de 140 mil vagas, após os 151 mil de fevereiro. Qualquer leitura mais fraca que isso pode acionar o modo pânico nos mercados. Afinal, combinar tarifas com desaceleração do emprego é o tipo de coquetel macroeconômico que costuma deixar até os otimistas de cabelo em pé.

· 03:27 — E agora?

As tarifas de 10% estão oficialmente marcadas para entrar em vigor no dia 5 de abril, com as alíquotas específicas para cada país entrando em cena quatro dias depois, em 9 de abril. Traduzindo: Trump criou deliberadamente uma janela para barganha. E com ela, mais incerteza. De forma quase cômica, nem mesmo as autoridades americanas parecem saber ao certo o tamanho da bomba que lançaram. A Casa Branca afirmou que, somadas todas as tarifas impostas desde 2018, a carga total sobre a China pode atingir impressionantes 79%. Mas, no mesmo dia, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, foi à Bloomberg TV dizer que o número correto é 54%. O resultado? Um festival de confusão que deixou os mercados tentando adivinhar a política comercial.

O fato é que a reação do mercado — queda das ações, fuga para ativos de proteção e um dólar fragilizado — sugere que o pacote foi pior do que o antecipado. Esperavam-se tarifas, claro, mas não nesse grau de agressividade. E quando o dólar começa a dar sinais de fraqueza mesmo em meio a uma postura ostensiva dos EUA, é porque o mundo está começando a duvidar da sustentabilidade da empreitada. Afinal, se os EUA tropeçam, o resto do mundo costuma cair — e rápido. 

No longo prazo, é possível que parte dos efeitos seja suavizada. As cadeias globais de suprimento se adaptam, se redirecionam. A pressão política e econômica, tanto interna quanto externa, tende a empurrar Trump para negociações e recuos estratégicos. Mas até lá, o custo das tarifas  continuará pesando nos mercados — e na confiança.

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· 04:14 — Ele tem um plano?

É comum entre líderes populistas que suas bases mais fervorosas busquem racionalizar qualquer movimento — mesmo os mais desastrados — como parte de um plano genial e oculto (conceito de infalibilidade). Confesso que não sou adepto dessa abordagem conspiratória do “ele sabe exatamente o que está fazendo”. Ainda assim, há um espaço, ainda que apertado, para considerarmos que Trump tenha algum tipo de lógica estratégica por trás da avalanche tarifária recém-anunciada. Vamos a ela.

O pacote divulgado na quarta-feira configura o maior salto protecionista em mais de um século — e não é exagero. Muita gente correu para comparar a medida ao famigerado Smoot-Hawley Tariff Act de 1930. Mas a inspiração real de Trump parece remeter a uma era ainda mais distante: a década de 1890. William McKinley, o 25º presidente dos EUA, é uma figura recorrente nos discursos do ex-presidente — foi ele quem institucionalizou o protecionismo como arma de política industrial em um momento de ascensão americana. A retórica atual emula esse espírito: restaurar o domínio manufatureiro dos EUA e redesenhar a ordem econômica global.

Nesse sentido, o plano de Trump parece repousar sobre duas grandes premissas. 

Primeiro: a construção de uma nova arquitetura econômica global, que mude os pilares da globalização desenhada a partir dos anos 1980. Segundo: a criação de um ambiente de medo e aversão a risco capaz de empurrar os juros longos para baixo e aliviar o custo de rolagem da dívida americana. A primeira ambição, de redesenhar a ordem global, não é exatamente nova. Já vivemos duas grandes reinvenções do sistema econômico internacional lideradas pelos EUA: o Acordo de Bretton Woods no pós-guerra e o Plaza Accord de 1985, que selou o início da era neoliberal. Trump, em sua versão 2.0, parece disposto a enterrar esse ciclo e inaugurar outro — o tal “Mar-a-Lago Accord”, como alguns já apelidaram.

As tarifas, nesse caso, seriam uma alavanca de barganha. Stephen Miran, conselheiro econômico próximo a Trump, já deixou isso claro. É uma estratégia agressiva, que pretende implodir a velha ordem para renegociá-la sob novos termos, com a indústria americana no centro do palco. Mas, sejamos francos: esse tipo de mudança exige legitimidade, coordenação diplomática e confiança dos parceiros — três elementos que o atual estilo errático e confrontador de Trump destrói em tempo recorde.

Quanto à segunda motivação — rolar os mais de US$ 9 trilhões em dívida americana que vencem em 2025 a um juro menor — aí sim a coisa começa a parecer mais robusta. Scott Bessent, atual secretário do Tesouro, já mencionou explicitamente sua preocupação com a curva longa. A lógica seria simples (e brutal): ao provocar o mercado com uma dose cavalar de incerteza e medo de recessão, os yields caem, a demanda por Treasuries sobe e o Tesouro consegue refinanciar seus compromissos a um custo mais palatável. De fato, já vimos os juros de 10 anos caírem abaixo de 4% — uma resposta clássica a um choque deflacionário potencial.

Funciona? Talvez. Faz sentido? Em alguma medida, sim. Mas é uma tática de alto risco, que aposta no colapso momentâneo para colher benefícios futuros. E o custo disso, tanto econômico quanto político, pode se revelar maior do que qualquer benefício obtido com a rolagem mais barata da dívida. O risco reputacional, a perda de previsibilidade institucional e a erosão da confiança externa são ativos difíceis de recuperar. Se isso tudo de fato compuser um plano, trata-se de um daqueles projetos que, sob o verniz de estratégia, mais parecem uma sequência caótica de improvisos.

· 05:03 — Uma oportunidade na renda fixa

Reiterando meu compromisso com a curadoria criteriosa e independente de ativos de crédito privado que efetivamente agreguem valor às carteiras de renda fixa, apresento uma nova oportunidade que, embora um pouco mais apimentada, pode ter espaço relevante em alocações mais sofisticadas. Trata-se da…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.