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Ibovespa acima de 132 mil pontos, decisões monetárias dentro das expectativas e mais: veja os destaques nos bastidores do mercado desta quinta-feira (20)

As decisões de políticas monetárias do Brasil, EUA, Japão, China e Inglaterra vieram dentro das expectativas do mercado internacional.

Por Matheus Spiess

20 mar 2025, 09:26 - atualizado em 20 mar 2025, 09:26

Na imagem é possível ver gráficos e números sobrepostos ao mapa dos continentes em alusão às ações em todo o mundo

Reprodução: Freepik

A aguardada Super Quarta ficou para trás, entregando exatamente o que se esperava nas decisões de política monetária no Brasil e nos Estados Unidos. Como amplamente antecipado, não houve surpresas: o Federal Reserve manteve os juros inalterados, enquanto o Banco Central brasileiro seguiu com sua trajetória de aperto, mas já sinalizando uma desaceleração no ritmo dos cortes. A novidade ficou por conta dos comunicados. Por aqui, o BC reforçou o que já vínhamos discutindo nos últimos dias: o ajuste na Selic começa a perder força, abrindo espaço para uma discussão sobre a taxa terminal – e, inevitavelmente, para o debate sobre cortes em um segundo momento, possivelmente no final do ano. Já nos EUA, o Fed revisou para baixo sua projeção de crescimento e elevou suas expectativas de inflação, sinalizando um cenário mais desafiador. O ajuste na perspectiva econômica, somado às persistentes tensões comerciais, ajuda a entender a realização dos mercados nesta manhã.

Outro ponto que chamou a atenção foi a mudança na postura em relação ao quantitative tightening. O ritmo da contração do balanço será reduzido, o que inicialmente trouxe algum alívio aos investidores. No entanto, a euforia deu lugar a uma revisão mais cautelosa da leitura, gerando uma espécie de ressaca nos mercados. No radar, permanece a elevada exposição dos estrangeiros ao mercado acionário dos EUA, impulsionada, entre outros fatores, pelos temores de recessão. Se a saída de fluxos dos Estados Unidos persistir, há margem para uma intensificação desse movimento, beneficiando outros mercados, incluindo o brasileiro.

Do lado asiático, as bolsas encerraram o pregão sem direção única, após o Banco do Povo da China (PBoC) optar por manter suas taxas inalteradas. Já na Europa, os índices recuam, refletindo a decisão do Fed e digerindo o desfecho da reunião do Banco da Inglaterra (BoE), que, como previsto, também manteve os juros estáveis. O ajuste dos mercados vem na esteira do recente rali impulsionado pelo pacote fiscal alemão e pela avalanche de decisões de política monetária ao redor do mundo. Para completar o cenário, as tensões geopolíticas voltam a se acumular no Oriente Médio, adicionando mais um elemento de incerteza ao tabuleiro global. 

· 00:57 — Dentro do script

No Brasil, o Ibovespa engatou ontem (19) sua sexta alta consecutiva, superando os 132 mil pontos. O mais impressionante? Nunca estivemos tão próximos de bater o recorde histórico nominal com valuations ainda tão descontados. Esse movimento é paradigmático e pode ser o prenúncio de um ciclo de valorização mais robusto – um ciclo que, no entanto, só será totalmente destravado caso haja uma guinada política nas eleições do ano que vem para um governo mais pró-mercado, reformista e fiscalista. Mas essa é uma possibilidade ainda distante. Antes, a realidade se impõe.

No campo da política monetária, nada de surpresas: o Copom confirmou o já contratado aumento de 100 pontos-base, elevando a Selic para 14,25% ao ano. O ajuste no forward guidance sinalizou uma desaceleração no ritmo das próximas altas, sugerindo que o fim do ciclo de aperto está próximo. Essa perspectiva ajudou a sustentar a recente euforia do mercado local, mas também abre espaço para uma correção hoje – respeitando a velha máxima de que “sobe no boato e cai no fato”.

De toda forma, a condução parece razoável. Devemos ver mais uma ou duas altas da Selic, especialmente agora que o comitê passa a ser dominado por indicados de Lula, que tendem a ter um viés mais dovish – ou seja, mais preocupados com o crescimento econômico do que com o controle da inflação (mais expansionistas na política monetária). Isso explica o tom mais cauteloso do comunicado sobre a desaceleração da atividade, um reflexo óbvio de juros tão elevados começando a asfixiar a economia.

Vale lembrar que dentro do arcabouço técnico da política monetária moderna, há espaço para ser mais ou menos dovish ou hawkish, desde que os modelos sejam respeitados. E parece ser esse o caso aqui. A próxima alta pode ser de 50 pontos-base, seguida por um ajuste marginal de 25 pontos-base, levando a Selic para um patamar terminal de 15%. Claro, tudo dependerá da evolução dos dados de inflação e atividade, do cenário externo – cada vez mais incerto – e, principalmente, da condução da política fiscal por parte do governo, que já sabemos ser um desastre.

Falando em desastre, pelo menos hoje teremos, enfim, a votação do Orçamento de 2025 – quase no final do primeiro trimestre, o que, por si só, já é um bom retrato do grau de desorientação do governo atual. O mercado aguarda um bloqueio e contingenciamento de até R$ 10 bilhões. Se vier menos que isso, a frustração fiscal pode custar caro para os ativos de risco, que já procuram motivo para realizar.

 · 01:41 — Atuando de outra forma

Nos EUA, o mercado fechou em alta ontem (19), impulsionado pela decisão do Federal Reserve de manter as taxas de juros inalteradas entre 4,25% e 4,5%. O entusiasmo foi evidente: o S&P 500 subiu 1,1%, registrando seu melhor desempenho em um dia de Fed desde 31 de julho de 2024. Um alívio para os investidores, especialmente considerando que, na semana passada, o índice chegou a entrar em território de correção, acumulando uma queda superior a 10% desde sua última máxima.

Para quem gosta de estatísticas de mercado, essa foi a 60ª correção do S&P 500 desde 1928. Historicamente, 17 dessas correções (28,8%) evoluíram para um bear market (quedas superiores a 20%), enquanto a maioria – 42 delas (71,2%) – encontrou um piso entre -10% e -20%. Curiosamente, em 10 dessas ocasiões (16,9%), a correção nunca passou dos -10,5%, o que levanta a questão: será que o pior já ficou para trás? Talvez. Mas, com um cenário ainda incerto em relação à atividade econômica e ao impacto das tarifas comerciais, o otimismo segue contido. É muita incerteza.

O presidente do Fed, Jerome Powell, reforçou que o mercado de trabalho continua sólido, com crescimento salarial superando a inflação, o que justifica a manutenção dos juros no patamar atual. No entanto, a revisão para baixo das projeções de crescimento e para cima das estimativas de inflação ainda sustentam a tese de cortes na taxa básica ao longo do ano, possivelmente a partir do segundo semestre.

Outro fator que movimentou os mercados foi o anúncio de que, a partir de abril, o Fed reduzirá o ritmo de enxugamento de sua carteira de títulos. O limite mensal de resgates em títulos do Tesouro será reduzido de US$ 25 bilhões para US$ 5 bilhões, uma medida que, na prática, equivale a um estímulo monetário maior do que se previa. Esse movimento, ocorrido antes do que muitos esperavam, animou os investidores no curto prazo, mas, nesta manhã, o humor já virou. A percepção de que essa mudança é um reflexo da preocupação do Fed com a desaceleração da economia está gerando mais dúvidas do que certezas – e, na dúvida, os investidores optam por vender.

· 02:35 — Procurando sentido na política comercial

O presidente Donald Trump voltou a atacar a União Europeia e outros parceiros comerciais, acusando-os de “roubar” os americanos – pelo menos, segundo a sua versão dos fatos. Mas essa retórica ignora o contexto mais amplo da economia global. Como já destaquei anteriormente, grande parte do déficit comercial dos EUA tem menos a ver com exploração externa e mais com a própria engrenagem do poder econômico americano. Quase todas as importações dos EUA são faturadas em dólares – em 2023, esse número chegou a 95%. Uma parte desse fluxo retorna na forma de pagamentos por bens e serviços americanos. O que os dados comerciais não capturam, no entanto, é a montanha de dólares que volta aos EUA para ser investida em ativos financeiros. Esse mecanismo ajudou a consolidar o dólar como a moeda dominante no mundo, financiando o crescimento americano a custos reduzidos.

Um exemplo claro disso é o mercado de títulos públicos. O Canadá, outrora um dos aliados mais próximos dos EUA – e agora um alvo recorrente das críticas de Trump –, detinha US$ 2,56 trilhões em títulos do Tesouro americano. Esse capital alimenta diretamente o sistema financeiro dos EUA, ajudando a reduzir os custos de financiamento para empresas, barateando empréstimos e inflando o patrimônio líquido das famílias americanas. Ou seja, o que Trump chama de “perda” é, na verdade, um sistema que devolve capital aos EUA — gerando quase que uma renda passiva para o país. A atual ordem econômica global não apenas foi criada pelos americanos, mas, sobretudo, beneficiou desproporcionalmente a economia dos EUA. Quando Trump sugere redesenhar esse arranjo, o que ele realmente propõe é mexer em um jogo que os próprios americanos escreveram – e do qual saíram como os maiores vencedores.

· 03:26 — Aposta geopolítica

Nos bastidores do mercado internacional, cresce a aposta de que as negociações de Donald Trump com Moscou para encerrar a guerra na Ucrânia acabarão pavimentando o caminho para a reintegração da Rússia aos mercados financeiros globais. E os investidores já começaram a se movimentar. Nas últimas semanas, alguns fundos têm vasculhado o mundo em busca de dívida russa – um ativo que, nos últimos três anos, era praticamente radioativo. A lógica é simples: se as sanções impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia em 2022 forem suspensas, os títulos, hoje negociados a preços irrisórios, podem se valorizar rapidamente, gerando ganhos expressivos para quem tiver a ousadia (ou o estômago) de comprá-los agora.

É um cenário plausível? Sem dúvida. Mas também está longe de ser uma aposta isenta de riscos. A remoção das sanções não está garantida e, mesmo que ocorra, não há qualquer certeza de que elas não serão reimpostas em um momento posterior. Além disso, a incerteza geopolítica continua a pairar sobre qualquer movimento envolvendo ativos russos, tornando essa especulação um jogo de alto risco e alta recompensa. Seja como for, três anos após o início do conflito, nunca estivemos tão próximos de um cessar-fogo mais definitivo quanto agora. Resta saber se essa proximidade será suficiente para justificar o otimismo dos investidores ou se estamos diante de mais uma ilusão alimentada pelo desejo de um desfecho rápido.

· 04:14 — Demandando energia

A crise energética de 2021, quando os preços da eletricidade atingiram patamares recordes, ainda está na memória, alimentando temores de que a crescente demanda dos data centers possa desencadear novos problemas. No entanto, essa preocupação muitas vezes parte de uma compreensão superficial da dinâmica desse consumo de energia, que ainda se encontra em um estágio inicial e é amplamente mal interpretada. O primeiro equívoco está na comparação com outras commodities, como o gás natural, cujos preços oscilam conforme mudanças na oferta e na demanda. A eletricidade, por outro lado, opera sob uma lógica distinta: a oferta deve sempre se ajustar ao consumo. A estabilidade do sistema não depende apenas da oferta total, mas sim da capacidade de geração de pico. Isso significa que as redes elétricas precisam ser gerenciadas com precisão para garantir que a produção acompanhe o consumo em tempo real.

O segundo ponto negligenciado é o papel dos data centers dentro do contexto mais amplo da transição energética global. Embora sejam fundamentais para o avanço da digitalização e da eletrificação, sua participação no aumento da demanda por energia é apenas uma peça dentro de uma mudança estrutural muito maior. Projeções indicam que a transição energética pode elevar o consumo global de eletricidade entre 50% e 75% até 2050. O aumento do consumo residencial, impulsionado por novas tecnologias, deve contribuir com 15% a 25% disso. Já os data centers, incluindo os voltados para inteligência artificial, devem representar 10% do aumento na demanda.

O verdadeiro desafio, portanto, não está nos data centers isoladamente, mas na necessidade de modernização e expansão das redes elétricas para sustentar esse novo patamar de consumo. O problema? Esse processo está longe de ser simples. Obstáculos regulatórios, demora na obtenção de licenças, oposição pública a novas infraestruturas e escassez de equipamentos já apontam para um cenário de estresse na rede elétrica global nos próximos anos. Sem soluções concretas para os gargalos, o risco de que a oferta não acompanhe a revolução energética segue no horizonte.

· 05:03 — Um jeito inteligente de se comprar teses europeias com segurança

Nos últimos meses, venho martelando a tese do MEGA – Make Europe Great Again, uma adaptação irônica do slogan de Donald Trump para o contexto europeu. E, enquanto alguns ainda torcem o nariz, o mercado parece cada vez mais alinhado com essa narrativa. O otimismo em torno das reformas econômicas na Alemanha tem impulsionado as principais bolsas europeias, e o grande catalisador dessa nova onda de valorização foi a recente aprovação de um pacote fiscal pelo parlamento alemão…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.