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Ibovespa se afasta do pessimismo de Wall Street em semana marcada por tombos no mercado global; confira os destaques

O mercado permanece em modo “soco inglês”: todo dia uma nova pancada. Veja os destaques econômicos da semana.

Por Matheus Spiess

14 mar 2025, 09:42 - atualizado em 14 mar 2025, 09:42

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Imagem: iStock/ Edson Souza

Lá fora, o mercado nesta sexta-feira (14) segue no modo “soco inglês”: todo dia uma nova pancada. A quinta-feira (13) foi mais um episódio dessa novela, com as bolsas americanas pressionadas em meio ao déjà vu de recessão e valuations nas alturas. Os juros caem, mas o mercado segue com os nervos à flor da pele, sem saber se comemora ou entra em pânico de vez. Enquanto isso, curiosamente, os mercados emergentes — Brasil incluso — resolveram mostrar um pouco de dignidade, registrando retornos positivos. O jogo parece ter virado temporariamente, com os investidores fugindo da bagunça dos EUA para buscar pechinchas em terras onde o risco ainda compensa o retorno. 

Vale lembrar que, historicamente, o S&P 500 tende a ter um desempenho abaixo da média no primeiro trimestre de cada ano, muitas vezes corrigindo os excessos do ano anterior. E, no caso atual, estamos vindo de dois anos consecutivos de alta superior a 20%, o que naturalmente exige algum ajuste de expectativas. Isso abre espaço para acompanharmos algum movimento de recuperação depois de março, caso a narrativa macroeconômica não se deteriore ainda mais.

E por falar em recuperação, o dia hoje começa com um tom mais otimista. Após uma sessão positiva na Ásia, os mercados europeus e os futuros americanos operam em alta nesta manhã, devolvendo parte das perdas recentes. Mas o pano de fundo continua carregado: seguimos monitorando o risco de um shutdown nos EUA, a sinalização russa de aceitação de um cessar-fogo na Ucrânia e, claro, o eterno vai e vem da guerra comercial de Donald Trump, que segue gerando incerteza e reprecificação de ativos globais.

· 00:58 — Há substância?

No Brasil, o Ibovespa nadou contra a corrente e se descolou do pessimismo que dominou Wall Street, onde as ações seguem pressionadas pela crescente ameaça de uma guerra comercial impulsionada por Donald Trump. Há quem interprete que esse embate tarifário pode acabar favorecendo o Brasil, reforçando laços comerciais com a China e acelerando a aprovação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. No caso específico do acordo, o protecionismo americano pode acabar tornando-o mais palatável ao Parlamento Europeu, que agora vê uma chance de estabelecer relações comerciais mais previsíveis com a América do Sul. Mas, claro, ainda há um longo caminho burocrático pela frente, incluindo a aprovação pelos congressos dos países.

Na agenda econômica, os destaques do dia são os resultados fiscais de março e os números do varejo de janeiro. Os dados de atividade chegam depois de duas decepções consecutivas: a produção industrial veio abaixo do esperado na terça-feira (11), e o volume de serviços também decepcionou ontem (13). A essa altura, é difícil negar que o aperto monetário finalmente começou a dar resultado, ao mesmo tempo em que o modelo tradicional de crescimento das gestões petistas já dá sinais de esgotamento. O ritmo da economia está desacelerando, o que limita o espaço para que o Banco Central seja mais agressivo no ciclo de alta dos juros. Embora a Selic já esteja contratada para 14,25% na reunião da próxima semana, a discussão agora gira em torno de quão acima disso o Copom poderá ir – algo entre 14,5% e 15% parece ser sensato.

Vale lembrar que a escalada dos juros foi um dos principais fatores de pressão sobre os ativos brasileiros nos últimos meses. Se o mercado começar a acreditar que há espaço para cortes no horizonte, isso pode servir como um suporte relevante para as ações locais, principalmente aquelas mais sensíveis às taxas de juros. E, claro, há o fator eleitoral de 2026 no radar. A gradual corrosão da popularidade de Lula, captada por mais uma pesquisa recente, reforça as apostas em um possível deslocamento do pêndulo político para um cenário mais pró-mercado, reformista e fiscalmente responsável – ainda que essa trajetória até as eleições do ano que vem seja longa.

Enquanto isso, o governo brasileiro segue tentando costurar um acordo para minimizar o impacto das tarifas americanas sobre o aço, algo semelhante ao que foi feito em 2018. Em paralelo, entra em vigor hoje a isenção do imposto de importação para 11 alimentos, uma medida paliativa de curto prazo sem qualquer efeito estrutural na contenção da inflação – mas que, como sempre, traz um custo fiscal que ninguém está calculando direito. E por falar em distorções contábeis, vale não se enganar com o superávit do setor público divulgado nesta manhã. Ele é meramente sazonal e não reflete a real deterioração fiscal. O que realmente importa é a votação do Orçamento na semana que vem, mas, como já virou padrão, o governo parece mais empenhado em empurrar os problemas com a barriga do que em solucioná-los de fato.

 · 01:46 — O que vem depois da correção?

Nos EUA, o mercado segue em um estado de fragilidade há semanas e, agora, entrou oficialmente em território de correção – uma queda superior a 10% no S&P 500 desde a máxima recente. O movimento ocorreu em apenas 16 pregões, tornando-se a correção mais rápida desde o colapso relâmpago de fevereiro de 2020, nos primeiros dias da pandemia de Covid-19. Desde então, já passamos por quatro outras correções, mas a atual parece refletir um temor mais estrutural. O fantasma da recessão americana voltou com força e a incerteza só cresce à medida que o governo Trump adiciona novas camadas de volatilidade ao cenário macroeconômico.

Ainda assim, correções de mercado não são eventos incomuns e, historicamente, tendem a ser relativamente curtas. Além disso, o primeiro trimestre do ano já tem um histórico de desempenho fraco – nos últimos 20 anos, essa tem sido uma tendência clara. O problema, porém, é que apesar das quedas recentes, os valuations ainda não estão exatamente baratos, pelo menos quando comparados aos padrões históricos. O investidor que espera grandes barganhas talvez tenha que esperar um pouco mais.

Olhando para trás, correções acontecem, em média, uma vez por ano e duram entre três e quatro meses. A perda média do mercado nesses períodos gira em torno de 13%, com uma recuperação geralmente observada dentro de quatro meses. Se analisarmos um histórico de 15 correções passadas, o S&P 500 registrou ganhos em 13 delas no intervalo de um ano, com um retorno médio de 15,3%.

O que falta agora para que o mercado pare de sangrar? Três fatores-chave: um acordo para evitar o shutdown do governo, um tom menos agressivo na guerra comercial de Trump e, claro, algum avanço nos esforços para um cessar-fogo nos principais conflitos globais. Qualquer um desses eventos pode servir como gatilho para uma descompressão do risco. Caso contrário, o caminho pode ficar ainda mais turbulento – e a correção pode ser apenas o primeiro estágio de um ciclo de reprecificação.

· 02:33 — Deu a louca

Donald Trump está dobrando a aposta em sua guerra comercial global, distribuindo ameaças a esmo enquanto enfrenta retaliações crescentes de todos os lados – da China ao Canadá, passando pela União Europeia. Mas, ao contrário do que ele parece esperar, os países afetados não estão se encolhendo. Pelo contrário: cada nova tarifa imposta pelos EUA tem sido respondida com medidas de igual intensidade, transformando o embate comercial em um jogo de resistência. 

A resposta mais articulada e agressiva até agora veio da União Europeia, o que parece ter deixado Trump completamente fora de si. A reação foi imediata: em mais um de seus surtos protecionistas, o presidente ameaçou impor uma tarifa de 200% sobre vinho, champanhe e outras bebidas alcoólicas francesas e europeias caso o bloco leve adiante sua retaliação às tarifas americanas sobre aço e alumínio – que incluem, entre outras medidas, taxação extra sobre o uísque americano.

Esse comportamento errático levanta uma questão fundamental: será que a guerra tarifária de Trump tem um objetivo econômico real ou é apenas uma ferramenta política disfarçada de estratégia? Seu discurso insiste na ideia de impulsionar a produção doméstica, mas a realidade é que o déficit comercial dos EUA não é um problema simples que pode ser resolvido à base de tarifas punitivas. Ele é fruto de fatores estruturais que vão muito além de tarifas, incluindo o status do dólar como moeda de reserva global, a demanda americana por produtos importados baratos e as complexas cadeias de suprimentos que levaram décadas para se consolidar.

Ao insistir em desmontar esse sistema a golpes de canetadas e bravatas, Trump não está apenas criando incerteza para os mercados – ele está brincando com os próprios alicerces da ordem econômica global construída ao longo das últimas décadas e que ajudou os EUA a se tornarem a potência que são hoje. O problema? Ele pode acabar vencendo essa guerra no curto prazo, mas, no longo prazo, está minando justamente a posição privilegiada dos EUA na economia mundial. É uma provocação a se pensar…

· 03:29 — Estaria o presidente russo menos Putin?

Vladimir Putin declarou ontem que concorda com a proposta de cessar-fogo, mas, como era de se esperar, acrescentou uma ressalva nebulosa: o acordo precisa garantir uma “paz duradoura” e eliminar as “causas raízes do conflito”. Em outras palavras, nada está garantido. Esse último trecho, na prática, deixa sua posição ainda mais ambígua, já que ele simultaneamente sugere estar aberto à trégua, mas insiste que ainda há “questões” a serem resolvidas – o que, traduzindo do dialeto geopolítico de Moscou, significa que um fim imediato das hostilidades está longe de ser uma certeza.

A proposta russa, que alguns críticos veem como um artifício para dar tempo à Ucrânia para se reorganizar, prevê a interrupção total das operações militares por pelo menos 30 dias, período no qual haveria trocas de prisioneiros e libertação de civis detidos. No entanto, a hesitação de Putin ao endossar completamente a ideia reforça a impressão de que o Kremlin ainda não está pronto para encerrar o conflito sem garantias concretas – ou sem arrancar concessões substanciais da outra parte. Em meio a isso, Putin mencionou a possibilidade de uma ligação com Donald Trump para discutir os detalhes do acordo. A insinuação não é irrelevante, pois sugere que Moscou já trabalha com a perspectiva de que Washington, sob a nova administração, pode desempenhar um papel mais ativo na negociação – e, possivelmente, mais alinhado aos russos.

Se um cessar-fogo for de fato estabelecido e, posteriormente, um acordo de paz ganhar forma, os prêmios de risco geopolítico podem ser reduzidos no curto prazo. Mas qualquer otimismo deve ser visto com cautela. Afinal, quando o assunto é Putin, nada é tão simples quanto parece, e a questão fundamental permanece: a que custo essa “paz duradoura” será conquistada? Quais os efeitos dessa paz a longo prazo?

· 04:12 — Alguma força chinesa

A China tem sido uma das grandes beneficiárias do recente redirecionamento de fluxos globais, à medida que investidores buscam diversificação em meio ao caos tarifário e à instabilidade nos mercados ocidentais. E como um bom roteiro de Pequim, bastou um vislumbre de estímulo para desencadear o maior rali do mercado chinês dos últimos dois meses. O estopim foi o anúncio de uma coletiva de imprensa marcada para segunda-feira, onde formuladores de políticas econômicas prometeram discutir medidas para impulsionar o consumo – exatamente o que o mercado vinha implorando desde que a crise imobiliária arrastou a economia para um estado letárgico.

Pequim sabe que precisa colocar dinheiro na rua para reverter a desaceleração, mas o dilema persiste: como fazer isso de maneira eficaz sem inflar ainda mais bolhas ou deteriorar ainda mais a confiança do setor privado? Comentei sobre esse impasse ontem, e o movimento sugere que o governo chinês está, de fato, se rendendo à necessidade de uma resposta mais agressiva.

Paralelamente, há um consenso crescente de que Pequim pode emergir como um dos grandes vencedores das disputas comerciais globais, o que tem disparado os sinais de alerta sobre os impactos de longo prazo para a economia mundial. Essa percepção vem dando um gás adicional ao mercado acionário chinês, que se apoia na expectativa de um cenário em que os Estados Unidos se enroscam na própria guerra tarifária, enquanto a China se reposiciona para capturar oportunidades estratégicas no vácuo deixado pelos americanos. Resta saber até que ponto essa tese se sustenta ou se estamos apenas diante de mais um rali baseado em promessas.

· 05:07 — Que alívio!

O CARF decidiu, por unanimidade, a favor da B3 (B3SA3) em um processo bilionário envolvendo a amortização fiscal do ágio gerado na fusão entre BM&F e Bovespa. A Receita, como de costume, tentou contestar a dedução desse ágio nos exercícios fiscais de 2014 a 2016, alegando que a operação carecia de justificativa econômica.

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.