Investimentos

Impactos dos ‘tarifaços’ de Trump, PCE de fevereiro, e dados do Caged e Pnad: veja os destaques do mercado nesta sexta-feira (28)

PCE é o indicador de inflação favorito do Federal Reserve, o banco central norte-americano

Por Matheus Spiess

28 mar 2025, 09:55 - atualizado em 28 mar 2025, 09:55

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Imagem: iStock/ Nikada

Bom dia, pessoal. Começamos a sexta-feira sob o impacto do mau humor vindo da Ásia — e não é por acaso. O temor com a entrada em vigor das tarifas recíprocas de Donald Trump, agendadas para o dia 2 de abril, segue pesando sobre os mercados. A perspectiva de uma tarifa de 25% sobre a importação de veículos, em especial, vem empurrando o sentimento dos investidores ladeira abaixo. Para completar o cenário carregado, o mundo testemunhou ontem um evento trágico em Mianmar: o terremoto mais potente desde 2023, com magnitude de 7,7 na escala Richter, seguido por um segundo abalo de 6,4. Além da questão humanitária, o evento adiciona incerteza no mercado global.

Na Europa, o clima também não é dos mais leves: o setor automotivo, que sofre com o impacto potencial das tarifas, continua pressionando os principais índices. Do outro lado do Atlântico, os futuros americanos operam no vermelho, ansiosos pela divulgação do PCE de fevereiro — o indicador de inflação favorito do Federal Reserve. A volatilidade é alimentada por um sentimento claro: ninguém consegue quantificar com precisão os efeitos do tarifário trumpista, e, como sempre, o mercado detesta o que não consegue precificar. Resultado? Avanço da aversão ao risco, com investidores pisando no freio à espera de mais clareza. Spoiler: ela pode não vir tão cedo.

· 00:58 — Prova dos nove: até onde vai o carro desgovernado com o freio de mão puxado?

No Brasil, o Ibovespa finalmente rompeu a barreira dos 133 mil pontos, dando continuidade ao rali que tem marcado 2025 — mérito, em grande parte, do fluxo estrangeiro que segue entrando na bolsa local. E sejamos honestos: se esse dinheiro continuar chegando, o mercado pode até encontrar sustentação, mesmo com toda a bagunça doméstica. Ontem, o destaque veio do IPCA-15, que até surpreendeu para baixo, mas trouxe uma composição indigesta: números ruins por dentro e aceleração no acumulado de 12 meses. Foi o suficiente para tirar um pouco de prêmio da curva de juros, mas não se iludam — os juros ainda caminham para os 15% ao ano e devem estacionar nesse patamar por algum tempo, até que a inflação resolva dar trégua.

E é aí que entra o verdadeiro problema: o governo parece incapaz de aceitar qualquer sinal de desaceleração da atividade. A cada dado que sugere um freio natural da economia, Brasília corre para colocar mais gasolina na fogueira, distribuindo estímulos como se não houvesse amanhã. Resultado? O trabalho do Banco Central para conter a inflação vira enxugar gelo — um esforço hercúleo que esbarra em medidas populistas travestidas de política econômica. O famoso “acelerar com o freio de mão puxado”.

Nos últimos meses, vínhamos observando sinais claros de desaceleração — o que chegou a alimentar alguma esperança de um ciclo de aperto monetário menos penoso. Mas se a atividade voltar a ganhar força artificial, esse alívio pode virar fumaça. É por isso que os dados de emprego que saem hoje — taxa de desemprego pela Pnad e geração líquida de vagas pelo Caged — ganham tanta relevância. Há rumores de um número forte, o que pode sinalizar maior pressão inflacionária. Tudo isso porque o governo tem pavor de ver a economia perder tração, temendo uma erosão ainda maior de sua já frágil popularidade. Aliás, ontem mesmo tivemos mais uma pesquisa — desta vez do Ipespe — confirmando a tendência: a avaliação do governo segue se deteriorando. E no contraponto, Tarcísio de Freitas, o governador de São Paulo, aparece como o nome menos rejeitado e, ao mesmo tempo, ainda pouco conhecido — uma combinação que, se bem conduzida, pode dar um trajeto bastante viável para disputar a presidência em 2026. O tempo político ainda é longo, mas o desgaste do governo acelera. E o mercado, claro, já começa a precificar essa possível virada.

· 01:41 — Prejuízo à credibilidade

Nos EUA, o S&P 500 e o Nasdaq passaram o pregão de ontem como quem tropeça bêbado no escuro: oscilaram violentamente, cruzaram a linha do positivo três vezes ao longo do dia, só para desabar de vez no fechamento. A volatilidade, claro, veio da digestão das novas tarifas de Trump — que, em sua cruzada protecionista 2.0, decidiu impor uma taxa de 25% sobre todos os carros e peças automotivas importados. O mercado, naturalmente, não gostou. Investidores agora precisam recalcular tudo — desde margens de lucro até cadeias de produção — tentando adivinhar o tamanho da pancada que pode estar vindo. E, como se não bastasse o impacto direto sobre as empresas, paira no ar o espectro do efeito dominó: retaliações internacionais, choques inflacionários, perda de poder de compra e, claro, mais uma rodada de incerteza.

O temor é que o aumento de preços gerado por essas tarifas acabe comprimindo ainda mais o bolso do consumidor americano e leve a um encolhimento do consumo — o principal motor da economia dos EUA. O sentimento de confiança, tanto de consumidores quanto de empresários, está mais fraco, corroído pela falta de clareza na condução da política econômica. Péssimo sinal para um país que ainda tenta evitar o mergulho definitivo na estagnação. Por isso, os dados de hoje ganham peso extra: a pesquisa de confiança do consumidor da Universidade de Michigan e o índice de preços de despesas de consumo pessoal (PCE) de fevereiro prometem ser o termômetro do humor econômico americano. Voltamos à velha fórmula do caos: números fracos demais reacendem o medo de recessão nos EUA.

· 02:32 — Retaliações

Os líderes mundiais não perderam tempo: a decisão de Donald Trump de impor tarifas de 25% sobre os carros importados foi recebida com uma tempestade de críticas uníssonas. Canadá, Japão e União Europeia reagiram com firmeza ao anúncio do presidente americano, acusando os EUA de romper, de maneira abrupta e agressiva, com a ordem econômica global que eles mesmos ajudaram a construir — e que vinha sustentando o comércio internacional há décadas.

O novo primeiro-ministro canadense, Mark Carney, não apenas criticou a medida, como anunciou a criação de um fundo de proteção aos trabalhadores do setor automotivo, tentando conter o estrago doméstico. França e Alemanha exigiram uma resposta por parte de Bruxelas, disparando contra os EUA, acusando-os de mudar por completo sua política econômica de forma imprudente e disruptiva. Eles não estão errados: estamos flertando com o colapso da ordem global que os próprios americanos passaram décadas construindo e defendendo. É uma nova dinâmica sendo criada.

E o Brasil? Bom, prepare-se. A Casa Branca já dá sinais de que pretende incluir o país no tarifaço global prometido para 2 de abril. A ideia seria aplicar uma sobretaxa a todos os bens brasileiros importados pelos EUA, sem fazer cerimônia, exceção ou consideração estratégica. Estamos prestes a virar alvo — nós e uma leva de outros emergentes que Trump pretende arrastar para o centro dessa guerra comercial 2.0. Se alguém ainda tinha dúvidas de que o multilateralismo está sendo substituído por uma política de “cada um por si”, os acontecimentos desta semana colocam ponto final nessa ilusão. Bem-vindo ao novo jogo — com regras que mudam a cada dia.

· 03:25 — Fiscal problemático

O endividamento federal dos Estados Unidos caminha para ultrapassar — e com folga — o pico histórico registrado após a Segunda Guerra Mundial, segundo projeções do Escritório de Orçamento do Congresso (CBO). A estimativa é que a relação dívida/PIB atinja 107% já no ano fiscal de 2029, superando os níveis da década de 1940, e continue sua escalada até alcançar 156% em 2055. Para 2025, a projeção é de 100%. O país que um dia ditou as regras da disciplina fiscal agora precisa de um lembrete diário de que contas públicas importam. As projeções chegam em um momento nada oportuno, especialmente após a Moody’s voltar a alertar sobre a sustentabilidade da posição fiscal americana. A preocupação não é nova, mas se intensifica com o espetáculo tarifário promovido por Donald Trump, que ameaça não só desorganizar o comércio global como também pressionar ainda mais os juros.

A verdade é que as agências de classificação de risco não estão mais comprando essa retórica de “tudo sob controle”. A Fitch e a Moody’s já rebaixaram a nota de crédito americana após a novela do teto da dívida em 2023, e a S&P Global Ratings foi pioneira nesse corte ainda em 2011. Diante disso, ganham relevância duas vozes destoantes dentro do governo: Scott Bessent, atual Secretário do Tesouro, e Elon Musk, com sua cruzada pessoal pela tesoura fiscal. Bessent tenta puxar o freio de mão, enquanto Musk propõe cortes de até US$ 1 trilhão nas despesas federais. Pode parecer exagero, mas com um buraco desses, qualquer esforço de contenção já é um sopro de sanidade. Se o império americano quiser continuar posando de autoridade moral em economia, seria bom começar por arrumar sua própria casa. 

· 04:17 — Desfecho ucraniano

Uma cúpula de líderes europeus reunidos em Paris mandou um recado cristalino: não haverá alívio de sanções à Rússia como moeda de troca para qualquer armistício mal costurado por Donald Trump. Moscou até tentou: exigiu que alguns de seus bancos fossem reconectados ao sistema internacional de pagamentos SWIFT como pré-condição para aceitar um cessar-fogo no Mar Negro. A resposta europeia? Nada feito — enquanto não houver paz justa, ampla e duradoura, as sanções seguem no lugar. O Velho Continente, ao menos neste ponto, resolveu não se dobrar a Putin.

Enquanto isso, Trump segue tratando a Ucrânia como um ativo em liquidação. Depois de avançar sobre minerais estratégicos e o setor nuclear, a Casa Branca agora quer o direito de primeira oferta em todos os principais projetos de infraestrutura e recursos naturais do país. Isso mesmo: o governo dos EUA quer prioridade absoluta — e documentada — em qualquer negócio futuro relevante na Ucrânia. O acordo, apresentado como parte dos esforços para encerrar a guerra, criaria um fundo de reconstrução sob controle americano, para onde seriam canalizados os recursos.

É como se, após três anos de guerra, a Ucrânia estivesse sendo forçada a escolher entre a submissão à Rússia ou a hipoteca completa aos Estados Unidos. Espremida entre o Kremlin e a Casa Branca, a Ucrânia assiste a situação sendo leiloada antes mesmo do fim dos combates. 

· 05:04 — Encerrando a temporada de resultados

Fechamos hoje, finalmente, a temporada de resultados do quarto trimestre de 2024. Não foi exatamente uma ópera — teve mais dissonância do que harmonia —, mas ainda assim alguns nomes conseguiram brilhar no meio da bagunça. No início do mês, já comentei por aqui sobre o desempenho expressivo da Direcional. Nada mais justo, portanto, que encerrarmos esta série analisando outra incorporadora que, mesmo sem grandes holofotes, entregou…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.