Investimentos

Mau humor com a guerra comercial permanece dominando mercados globais e dólar se aproxima de R$ 5,90; veja as principais notícias da semana

A escalada da guerra comercial segue dominando o humor dos mercados globais, com um sentimento de angústia em Wall Street. Leia mais.

Por Matheus Spiess

11 abr 2025, 09:25 - atualizado em 11 abr 2025, 09:25

economia mercado trump economia

Imagem: iStock/ Nikada

A escalada da guerra comercial continua dominando o humor dos mercados globais — e, desta vez, o sentimento é de angústia pura em Wall Street. A tensão entre EUA e China atingiu um novo patamar, provocando queda generalizada em praticamente todos os ativos: ações, títulos, dólar e petróleo entraram novamente no modo defesa. Os futuros americanos até tentam uma recuperação modesta nesta manhã, tentando se reerguer após o tombo da véspera. Mas o resto do mundo segue em modo correção: os índices europeus recuam em linha com o que já havíamos visto durante a madrugada nas bolsas asiáticas. Vale lembrar que essa deterioração vem logo depois de um breve suspiro de alívio dos mercados globais, quando Trump recuou parcialmente no seu tarifaço — com a digestão da trégua ocorrendo na quarta-feira (9) para os mercados americanos e brasileiros, e na quinta (10) para Europa e Ásia.

Para piorar o quadro, a Casa Branca resolveu “esclarecer” um detalhe nada trivial: a tarifa efetiva sobre produtos chineses não seria de 125%, como anunciado anteriormente, mas de 145%. Pequim, evidentemente, retaliou de novo, elevando sua tarifa sobre produtos americanos de 84% para 125%, com vigência já a partir de amanhã. O ponto crucial, contudo, não está apenas no percentual das tarifas, mas na sinalização estratégica da China: a partir de agora, Pequim não pretende mais responder a cada novo aumento com outro na mesma proporção. O motivo? Segundo o governo chinês, os níveis atuais de sobretaxa tornaram as importações americanas, na prática, inviáveis. Estamos, portanto, às portas de um rompimento formal e inédito das relações comerciais entre as duas maiores economias do mundo — uma situação que carrega implicações profundas e imprevisíveis para a ordem internacional.

Como me disse ontem o Professor Heni Ozi Cukier, com quem tive a oportunidade de conversar sobre o tema (clique aqui para conferir), o que estamos vendo é o início de uma nova era — e, como todo território inexplorado, ele é instável, cheio de riscos e sem manual de instruções. Não há precedente histórico claro que nos prepare para o cenário atual. Nos mercados, o impacto começa a se espalhar de maneira mais estrutural. Os ativos americanos passam a ser questionados não apenas pela perspectiva de crescimento mais fraco — ou mesmo recessão —, mas também pela corrosão da credibilidade dos EUA como protagonista econômico global. 

Para agravar ainda mais o quadro, este é o pano de fundo para um dia particularmente sensível: começa oficialmente a temporada de resultados nos EUA, com os grandes bancos puxando a fila. Além disso, teremos dados de inflação ao produtor (PPI) por lá, enquanto, no Brasil, saem os números de inflação ao consumidor (IPCA). 

· 00:55 — Quem come bem come quieto

No Brasil, o Ibovespa voltou a ceder ontem (10), devolvendo parte dos ganhos obtidos no pregão anterior. O dólar, por sua vez, retomou sua escalada frente ao real, voltando a se aproximar da marca dos R$ 5,90. O curioso — e preocupante — é que o movimento não é global: o dólar tem mostrado fraqueza frente a moedas de países desenvolvidos, mas continua firme e forte contra emergentes. O que parece estar ocorrendo é uma corrosão gradual da credibilidade dos EUA: investidores globais seguem em busca de alternativas ao dólar e aos títulos do Tesouro americano, redirecionando parte dos fluxos para destinos percebidos como mais seguros — como Suíça e Japão, por exemplo. Já os emergentes, sem esse benefício da dúvida, pagam o preço. Como bem apontou Mansueto Almeida, do BTG Pactual, a guerra comercial entre EUA e China cria, sim, oportunidades estratégicas para países como o Brasil, mas pode dificultar a atração de capital no curto prazo. Para capturar esses potenciais ganhos, porém, é preciso ter o mínimo de casa arrumada — o que está longe de ser o caso.

Por ora, o melhor movimento do governo brasileiro tem sido justamente o silêncio. Quem come bem come quieto. O Itamaraty tem evitado entrar em provocações ou retóricas vazias. Com um fiscal doméstico desorganizado e um ambiente político frágil, qualquer tentativa de retaliação ou bravata soaria ridícula. Melhor assistir de longe enquanto EUA e China trocam chumbo. Até porque, sejamos honestos: uma melhora estrutural da percepção de risco do Brasil — com direito a upgrade de rating, por exemplo — só virá em 2027, com um novo governo, outra agenda e, espera-se, outro compromisso com responsabilidade fiscal. Até lá, vamos continuar dançando conforme a música internacional. Aliás, uma eventual desaceleração econômica dos EUA pode acabar jogando a nosso favor, ao abrir espaço para o Federal Reserve cortar juros. Claro, tudo depende também de como as tarifas vão impactar a inflação. Mas se os juros por lá começarem a ceder, o Brasil pode, ao menos, interromper a pressão altista sobre os juros locais. Por ora, seguimos monitorando os dados: hoje teremos o IPCA de março (a inflação oficial do mês) e o IBC-Br de fevereiro (proxy do PIB brasileiro). Mais uma fotografia para entender de onde — e para onde — estamos indo.

· 01:41 — Sinal amarelo

Nos Estados Unidos, o alívio quase eufórico da quarta-feira, após o recuo parcial de Trump nas tarifas, rapidamente deu lugar a uma ressaca pesada. O medo voltou a dominar os mercados na quinta-feira (10), à medida que se consolida a percepção de que, mesmo com o recuo tático da Casa Branca, a guerra comercial está longe de ter terminado — e seus efeitos sobre o crescimento global podem ser muito mais duradouros e nocivos do que se supunha. Como já discutimos por aqui, Trump não desmontou o campo de batalha. Apenas redesenhou as trincheiras. As tarifas continuam lá, especialmente contra a China, e o impacto sobre as cadeias globais de produção segue contratado. Não é exagero dizer que os investidores ficaram com um trauma recente — um choque de confiança que ainda está longe de ser absorvido.

Pior: o estrago maior talvez nem esteja nas tarifas em si, mas na percepção de que os Estados Unidos — outrora o epicentro da previsibilidade e da estabilidade financeira global — se tornaram, eles próprios, parte do problema. Há uma crise de credibilidade se insinuando no coração do sistema. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, pode até dizer em público que não viu “nada de anormal” nos movimentos do mercado. Mas os números contam outra história:

  • O rendimento dos títulos de 30 anos dos EUA registrou a maior alta diária desde 1982.
  • O ouro renovou máxima histórica.
  • O dólar perdeu força.
  • As ações voltaram a cair.

O paralelo que fiz no começo da semana com o episódio Liz Truss, no Reino Unido de 2022, já não parece exagerado — pelo contrário, parece pertinente. Flertamos com um cenário em que o principal ativo “livre de risco” do mundo começa a ser tratado com um certo desconforto pelos mercados. E quando o dólar e os Treasuries deixam de ser vistos como um refúgio automático, o sistema global inteiro treme. Mais do que uma simples crise comercial, o que estamos testemunhando é o começo de uma crise de confiança — e confiança é um ativo que quando começa a trincar, dificilmente volta a ser o mesmo.

· 02:32 — E o fiscal?

Ainda nos EUA, os republicanos conseguiram, por uma margem mínima, aprovar o esboço do novo orçamento dos Estados Unidos — uma peça que promete, ao mesmo tempo, aumentar substancialmente o endividamento do país e abrir caminho para cortes de impostos bilionários. A votação passou por 216 votos a 214, depois de um longo processo de negociação, no qual Trump e a cúpula republicana precisaram acalmar os ânimos de um grupo de parlamentares mais linha-dura, preocupados com o descontrole fiscal. Na prática, o que foi aprovado dá as bases para um pacote que prevê cortes de impostos de até US$ 5,3 trilhões ao longo dos próximos dez anos — com renovação dos famosos cortes de 2017 — ao custo de aumentar o teto da dívida americana em outros US$ 5 trilhões. Os republicanos podem até argumentar que, com o controle das duas casas do Congresso, conseguem tocar essa agenda sem necessidade de qualquer negociação com os democratas. Mas o problema não está mais apenas na disputa política. Está na credibilidade dos EUA como devedor.

Não por acaso, o déficit orçamentário americano de 2025 já alcançou a marca de US$ 1,3 trilhão apenas na primeira metade do atual ano fiscal (de outubro a março). Um número que só perde, em termos históricos, para o rombo de US$ 1,7 trilhão registrado no auge da pandemia em 2021. Agora, sem pandemia, sem guerra mundial, sem crise bancária — mas com política fiscal de emergência permanente. O mercado, evidentemente, observa esse cenário com ceticismo crescente. O problema deixou de ser apenas o volume absoluto da dívida americana. Tornou-se uma questão de confiança. Os republicanos podem até comemorar a aprovação do orçamento como uma vitória. Para os mercados, porém, o sinal é claro: os EUA continuam aumentando a conta — e o mundo começa a se perguntar quem, lá na frente, vai querer pagar.

  • 10 ações internacionais para comprar agora: estes são os papéis mais promissores no cenário atual e reúnem fundamentos para valorizar em breve, segundo os analistas da Empiricus Research. Veja a lista completa aqui.  

· 03:26 — É um divórcio mesmo

A China, enfim, deu o ponto final na escalada tarifária com os Estados Unidos. Em resposta ao tarifaço de 145% imposto por Trump sobre produtos chineses, Pequim anunciou que elevará suas tarifas sobre bens americanos para 125%, a partir deste sábado. Mais do que isso: sinalizou que, daqui em diante, simplesmente deixará de responder a novas provocações tarifárias de Washington — não porque desistiu da disputa, mas porque, nas palavras do próprio Ministério do Comércio chinês, a estratégia americana “perdeu qualquer sentido econômico”. Nas palavras oficiais: “virou piada”. Não é todo dia que um governo chama a política econômica do maior país do mundo de piada. O curioso disso tudo é que os EUA, ao forçarem esse embate até o limite da irracionalidade, entregaram de bandeja à China o papel de “adulto responsável na sala”. Uma inversão histórica de papéis que, poucos anos atrás, pareceria impensável. Para piorar, o mundo está assistindo esse divórcio global com perplexidade: depois de décadas de uma relação comercial tensa, mas funcional, EUA e China estão agora em rota aberta de separação — e é uma separação litigiosa, com divisão traumática de bens e corte abrupto de vínculos. Péssimo para a economia.

O problema? A conta dessa briga não vai cair só em Pequim. Vai cair em Washington também. Ao tentar forçar uma autossuficiência econômica, Trump pode ter desencadeado o maior tiro no próprio pé da história econômica americana. Foi Larry Summer e Janet Yellen que disseram isso. As cadeias de produção globais serão desorganizadas. O consumidor americano pagará mais caro por tudo. As margens das empresas vão encolher. A produtividade deve sofrer. A inflação tende a ficar mais pressionada. O crescimento deve ceder. O desemprego pode subir. E o risco de recessão está, agora, perigosamente elevado. Resta saber qual será a próxima cartada. O Federal Reserve, pressionado por esse novo quadro, será chamado mais uma vez a salvar a economia americana mais uma vez, mesmo com o fantasma inflacionário rondando. Ou, quem sabe, veremos mais um recuo tático da Casa Branca, como já começam a ventilar alguns rumores — inclusive sobre uma possível suspensão ou redução da tarifa de 10% que ainda paira sobre o resto do mundo. Seja qual for o desfecho, o essencial já está claro: o estrago está feito. O custo reputacional, político e econômico dessa aventura tarifária dificilmente será revertido tão cedo. 

· 04:17 — E ainda tem a temporada de resultados…

E como se tudo isso não fosse suficiente, o mercado ainda terá que digerir, a partir de hoje, o início da temporada de resultados do primeiro trimestre nos Estados Unidos — tradicionalmente inaugurada pelos grandes bancos. Logo cedo, JPMorgan Chase, Morgan Stanley e Wells Fargo abrem os trabalhos. Em tempos normais, esse seria o grande evento da semana. Mas, convenhamos, os números dos primeiros três meses do ano já soam quase anacrônicos diante do novo mundo que emergiu em abril, após o tarifaço de Trump e o caos que se seguiu. Mais do que os balanços em si, o que o mercado quer — e precisa — ouvir agora são pistas sobre o futuro. O foco estará muito menos nos números históricos e muito mais no tom das conferências: como as empresas estão se preparando para um ambiente de guerra comercial, fragmentação global e ameaça de recessão? Como estão enxergando o comportamento do consumidor, os custos das cadeias de produção e o mercado de crédito?

Aliás, o alerta já foi dado: no início desta semana, a Delta Air Lines, numa espécie de pré-temporada de resultados, cortou suas projeções para o restante de 2025, citando nada menos que “incerteza econômica generalizada”. Não será surpresa se essa postura cautelosa — ou abertamente pessimista — se tornar padrão nas próximas semanas. Por isso, atenção redobrada hoje às falas dos CEOs dos grandes bancos hoje. São eles, afinal, que têm acesso em tempo real ao comportamento do crédito, inadimplência, demanda por empréstimos e fluxo de caixa das empresas. Qualquer sinal de deterioração mais clara na economia real pode não apenas aumentar o estresse dos mercados, como também pressionar a Casa Branca a realizar novos recuos — táticos ou não — na condução da sua política comercial. Até porque, como já ficou evidente, a retórica de força de Trump dura até onde os mercados permitem. E o estrago de abril ainda está bem vivo na memória de Wall Street.

· 05:04 — Para onde fugir?

Com a formação oficial do novo governo alemão, que comentei ontem (10), os nomes que compõem o gabinete começam a revelar muito mais do que cargos — revelam prioridades, preocupações e o espírito do tempo. E poucos simbolizam melhor esse novo momento do que o escolhido para o Ministério das Finanças: Lars Klingbeil. Basicamente, o novo chefe das finanças da maior economia da Europa é um especialista em defesa e segurança. Para quem ainda tinha dúvidas sobre qual será a tônica dos próximos anos, o recado não poderia ser mais claro…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.