Times
Mercado em 5 minutos

Domingo, 8 de janeiro de 2023: um dia triste na história da República

A repercussão dos atos criminosos em Brasília, relatório de emprego nos EUA e mais: o que você precisa saber sobre o mercado nesta segunda-feira (9)

Por Matheus Spiess

09 jan 2023, 08:42 - atualizado em 09 jan 2023, 08:42

Ordem e progresso Mercado em 5 minutos
Fonte: Freepik

Bom dia, pessoal. 

A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.” – Dr. Ulysses Guimarães 

Começo nossa conversa com as palavras do Dr. Ulysses Guimarães de quando a constituição foi promulgada, em 1988. O que vimos ontem me lembrou cenas de um filme de terror. De nada tinham de “patriotas” os criminosos que invadiram os principais prédios públicos do país e destruíram materiais artísticos e políticos relevantes da história brasileira. Tampouco tinham de conservadores – o conservadorismo clássico abomina qualquer coisa semelhante ao que aconteceu no Brasil no domingo. Consequentemente, o mercado local deve sofrer com as consequências dos atos não democráticos, ainda que marginalmente apenas em um primeiro momento. De qualquer forma, a percepção é péssima e a repercussão internacional pior ainda. 

2023 só está começando. 

Enquanto isso, lá fora, os mercados asiáticos fecharam em alta nesta segunda-feira (9), acompanhando as movimentações positivas dos mercados globais na sexta-feira, quando alguns dados americanos mostraram uma queda no crescimento salarial para uma mínima de 50 anos — aliviou as preocupações sobre o aperto político agressivo do Federal Reserve. A Europa dá continuidade ao movimento positivo do final da semana passada, assim como os futuros americanos. Infelizmente, os ativos brasileiros provavelmente não vão acompanhar o bom humor global. Os efeitos da política sobre o mercado doméstico devem se aprofundar nas próximas semanas. 

A ver… 

· 01:17 — Terrorismo à moda brasileira 

A sensação de instabilidade institucional cobrará seu preço hoje — não houve golpe e nem ruptura, portanto é possível que não tenhamos um desastre completo (não muda os lucros das empresas nem a solvência soberana). Ainda que não caia muito, o sentimento é predominantemente negativo (depende agora da posição do Lula, que ontem já não foi muito bem no pronunciamento, apesar da correta postura em intervir no DF). 

No curto prazo, é provável que Lula acabe se fortalecendo e a direita eleita para o Congresso se fragilize, uma vez que os criminosos do final de semana nasceram dos movimentos na frente dos quartéis. Inacreditável como o bolsonarismo e o lulismo são forças que se retroalimentam. Um fortalece o outro e assim por diante. 

Não só Lula se beneficia da situação, mas o STF também terá mais espaço para tomar medidas duras contra os responsáveis. Isso aconteceria no curto prazo, com uma retomada à realidade em um segundo momento — a esquerda ainda terá dificuldade para governar (metade do país rejeita a esquerda). Paralelamente, o ex-governante que nada falou enquanto o dia de ontem estava sendo preparado entre novembro e dezembro, continua na Disney, literalmente. 

Se sabíamos que Lula não teria um mandato fácil, os eventos de ontem aprofundam tal sentimento. Sabemos que o mercado tem dificuldade em precificar eventos políticos e dessa vez não teremos algo diferente. A intervenção federal, o afastamento do governador do Rio, a ida de todos os governadores à capital hoje e a união dos poderes neste momento serão peças fundamentais para contarmos a crise. Hoje será muito mais ruído do que sinal. Mas as indicações dos governantes são importantes. 

· 02:29 — O relatório de emprego 

O relatório de empregos dos EUA, divulgado na sexta-feira, nos deu evidências de alguma fraqueza econômica à frente. Por lá, o rali dos ativos começou depois que foi apresentada a criação de 223 mil empregos em dezembro. Mesmo superando as expectativas, chamou atenção a revisão de novembro, para 256 mil apenas. Ao mesmo tempo, o relatório mostrou um declínio no ritmo de crescimento dos salários. 

Naturalmente, o Fed permanecerá em seu curso de aperto monetário, mas os riscos de mais altas na primavera estão diminuindo à medida que cresce o otimismo de que as pressões salariais continuarão caindo. Adicionalmente, as ações ampliaram os ganhos depois que um relatório do Institute for Supply Management mostrou que seu índice da indústria de serviços caiu para o território de contração. 

O desafio agora será a temporada de resultados, que começa nesta semana com os grandes bancos na sexta-feira. O consenso de mercado estima que os lucros do S&P 500 tenham caído 4,1% no quarto trimestre — esse seria o primeiro declínio ano a ano desde o terceiro trimestre de 2020, quando os ganhos do S&P 500 caíram 5,7%. Com uma recessão, há espaço para que os números fiquem ainda piores. 

· 03:28— Vitória feia 

Na semana passada, a Câmara dos EUA finalmente conseguiu eleger seu presidente. Foram 15 rodadas de votação e quatro dias de caos, o processo mais longo desde 1856, mas o deputado republicano Kevin McCarthy pode finalmente comandar a casa legislativa. Ele provavelmente será o parlamentar a estar no cargo mais fraco da história moderna — conseguiu votos suficientes de seus colegas republicanos para garantir o cargo, tendo concordado com um acordo que limita seu poder 

Tendo finalmente conseguido seu líder, a Câmara agora pode empossar novos membros, distribuir atribuições de comitês e começar o trabalho real de legislar. Há apreensão para quando chegar a hora de votar o aumento do teto da dívida, que deverá se manter nos próximos meses. A divisão e as intrigas não são exclusividades americanas. Nós sentimos na pele ontem o que a polarização irracional da política pode causar. O problema é que se verifica uma fragilidade nas democracias ocidentais. 

· 04:14 — Falas de autoridades monetárias 

Na Europa, o início da semana é positivo, ainda que com menos fôlego relativamente à semana passada. Também teremos o início da temporada de resultados por lá, assim como nos EUA. Já pela manhã, tivemos dados mostrando avanço da produção industrial alemã, ainda que abaixo do esperado, e manutenção da taxa de desemprego da Zona do Euro em 6,5%. 

Será importante acompanharmos o nível de atividade da região, de modo a mapearmos a chance de uma recessão muito profunda. Para isso, será importante acompanharmos algumas falas de autoridades por lá na semana, começando com alguns membros do Banco da Inglaterra hoje. 

· 04:44 — Mais um com o Euro 

Na semana passada, entramos em 2023 com mais um membro na Zona do Euro. A Croácia é agora o 20º país a adotar o euro, um marco para a nação de quase 4 milhões de habitantes. 

A Croácia, que buscou laços mais estreitos desde sua adesão à União Europeia em 2013, também se juntará ao espaço Schengen sem fronteiras (um bloco de 26 países que permitiu que uma população de 420 milhões se movimente livremente entre os membros) tornando-se a maior região sem fronteiras área no mundo – vai ajudar o turismo croata, que corresponde a 20% do PIB. 

A Croácia é o país que mais lucra com a entrada na Zona do Euro. Quando sua moeda se desvaloriza em relação ao euro, significa que sua dívida vale mais, então seus custos de empréstimos como país são mais altos para refletir esse risco. Adicionalmente, a Croácia já depende do euro para mais da metade de seu comércio exterior e para quase três quartos de seus turistas. A adoção do Euro era inevitável.  

 Um abraço, 

Matheus Spiess 

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.