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Não adianta subir a Selic sem controle fiscal: fique por dentro dos eventos mais marcantes desta semana

Apesar da valorização do real e do bom desempenho das commodities, os ativos locais foram pressionados pela elevação nos prêmios da curva de juros.

Por Matheus Spiess

20 set 2024, 08:59 - atualizado em 20 set 2024, 08:59

ações brasil fiscal

Imagem: iStock.com/Ca-ssis

A quinta-feira (19) pós-“Super-Quarta” trouxe um cenário distinto para o Brasil em comparação com outros mercados globais. Apesar da valorização do real e do bom desempenho das commodities, os ativos locais foram pressionados pela elevação nos prêmios da curva de juros, especialmente nos prazos mais longos, reflexo da persistência do risco fiscal.

Em outras palavras, subir os juros não será eficaz se o controle fiscal continuar precário. Enquanto isso, no cenário internacional, os mercados tiveram uma performance excelente, com o S&P 500 registrando seu 39º recorde do ano no fechamento, estendendo os ganhos para cerca de 20%. A narrativa que anima os investidores internacionais é a expectativa de que o Federal Reserve conduza a economia dos EUA a um pouso suave, o chamado cenário de Goldilocks.

Na Ásia, a maioria das bolsas também fechou em alta nesta sexta-feira (20), influenciada pelas decisões do Banco do Japão e do Banco Popular da China (PBoC) de manterem as taxas de juros inalteradas. Embora houvesse alguma expectativa de estímulo monetário por parte da China, a ausência de medidas limitou os ganhos nas bolsas asiáticas. No entanto, o mercado ainda acredita que as autoridades chinesas provavelmente intensificarão suas ações para garantir o cumprimento das metas de crescimento, que se tornam cada vez mais desafiadoras para 2024.

Nesta manhã, os futuros americanos mostram uma performance mista, enquanto os índices europeus operam em queda.

A ver…

· 00:56 — Não podemos capotar na reta final do ano

A elevação dos juros, anunciada na noite de quarta-feira (18), gerou um forte impacto na curva de juros futuros, pressionando negativamente os ativos cíclicos domésticos. Embora o real tenha se valorizado devido ao aumento do diferencial de juros, o mercado local não conseguiu acompanhar o otimismo observado nos mercados globais. O Ibovespa encerrou o dia com queda de 0,47%, atingindo 133.123 pontos, em contraste com o desempenho positivo internacional. A postura mais agressiva do Banco Central, que sinaliza novas elevações da Selic nos próximos meses, é uma tentativa de conter as pressões inflacionárias. Contudo, a ausência de um ajuste fiscal robusto agrava o cenário, já que a política monetária, sozinha, não será capaz de alcançar os resultados desejados.

Hoje, o governo deve apresentar o quarto relatório bimestral de receitas e despesas, e a expectativa é de que seja anunciada uma nova contenção de gastos, em torno de R$ 10 bilhões. Se o valor for inferior ao esperado, o mercado pode reagir negativamente. No entanto, um contingenciamento em linha com as expectativas, ou superior, ainda que improvável, poderia proporcionar algum alívio.

Até agora, o governo tem evitado cortes efetivos, preferindo superestimar receitas e ajustar parâmetros econômicos para postergar novos contingenciamentos. O objetivo é ganhar tempo para que as medidas de arrecadação, como o voto de qualidade do Carf, que têm frustrado as expectativas até o momento, comecem a gerar resultados. A Fazenda já incorporou algumas compensações, como os dividendos do BNDES, mas isso ainda não parece ser suficiente para reequilibrar as contas públicas. Sem um compromisso mais firme com a responsabilidade fiscal, a Selic poderá subir ainda mais, alcançando 12% ou até mais.

Embora seja possível evitar esse cenário extremo, a taxa de juros real neutra — que seria suficiente para manter a inflação dentro da meta — é estimada em cerca de 4,75%. Com a inflação próxima desse patamar, uma Selic a 12% significaria juros 2,5 pontos percentuais acima da taxa neutra, configurando uma política extremamente restritiva. Os impactos dessa elevação seriam severos para a economia, mas seus efeitos completos só começariam a ser sentidos a partir da segunda metade de 2025.

·01:45 — Depois de mais um recorde

Nos Estados Unidos, à medida que os mercados absorvem o recente corte de juros do Federal Reserve, as atenções se voltam para o ritmo dos próximos ajustes neste ciclo de flexibilização. O ex-secretário do Tesouro, Lawrence Summers, alertou que a inflação pode limitar a capacidade do Fed de reduzir as taxas tanto quanto muitos esperam nos próximos meses. Isso ainda está por ser confirmado. Por enquanto, os membros do Fed projetam mais 50 pontos-base de cortes neste ano, mas o mercado acredita que há margem para uma redução de até 0,75 ponto percentual. Os dados de outubro e novembro serão decisivos para esclarecer essa questão.

Enquanto isso, os índices de ações americanos tiveram um excelente desempenho ontem, impulsionados pelo forte avanço das chamadas “Magnificent Seven” — as sete grandes empresas de tecnologia. Esse movimento levou o S&P 500 a registrar seu 39º recorde de fechamento em 2024. 

Os investidores parecem ter acolhido a ideia de que o corte anunciado na quarta-feira não foi um reflexo de condições econômicas debilitadas. Como já discutido, o presidente do Fed, Jerome Powell, adotou uma postura otimista em suas declarações, sugerindo que a redução nas taxas foi feita a partir de uma posição de força relativa na economia. A inflação dá sinais de estar voltando de forma mais consistente para a meta de 2%, enquanto o mercado de trabalho, embora menos aquecido, permanece robusto. Esse é o cenário ideal que muitos esperavam.

· 02:31 — Sem mudança

Após o Banco da Inglaterra manter inalterada a taxa de juros em 5% ontem, enfatizando que não se apressará em flexibilizar a política monetária, o Banco Popular da China e o Banco do Japão seguiram uma abordagem semelhante, optando por não alterar suas taxas de juros. O foco recai especialmente sobre o Banco do Japão (BoJ), que teve maior impacto no mercado em agosto e pode voltar a influenciar o real devido à volatilidade do iene.

Em sua decisão, o BoJ sinalizou que não vê urgência em aumentar os juros, mantendo-os em 0,25%, enquanto monitora os mercados financeiros após o aumento realizado em julho. Esse posicionamento contrasta com os dados divulgados hoje, que mostraram uma aceleração no principal indicador de inflação do Japão pelo quarto mês consecutivo.

É relevante lembrar que o BoJ já elevou as taxas duas vezes neste ano, encerrando sua política de taxas de juros negativas vigente desde 2016. Desde o início de julho, o iene valorizou-se mais de 12% em relação ao dólar americano, um movimento que enfraquece o real, uma vez que o iene é uma moeda frequentemente utilizada para operações de “carry trade”.

Em uma coletiva de imprensa, o presidente do BoJ, Kazuo Ueda, indicou que a instituição continuará elevando os juros de forma gradual, desde que os dados econômicos e de preços evoluam conforme esperado. Esse posicionamento mais contido sugere que o estresse observado em agosto dificilmente se repetirá na mesma intensidade, trazendo maior previsibilidade ao mercado.

· 03:24 — Volatilidade no petróleo

Nesta manhã, o preço do petróleo voltou a recuar após ter registrado uma alta superior a 1% no dia anterior. O contrato Brent para novembro ainda se mantém acima de US$ 74 por barril, mas pode retomar ganhos impulsionado pela expectativa de novos cortes de juros nos EUA, o que reforça a esperança de que a economia americana evitará uma desaceleração significativa.

Outro fator que sustenta os preços é a queda nos estoques de petróleo nos EUA, que atingiram o nível mais baixo em um ano na última semana. Isso aponta para a segunda semana consecutiva de valorização do barril.

Adicionalmente, as crescentes tensões no Oriente Médio também exercem pressão sobre os preços. As explosões de pagers e walkie-talkies, supostamente usados pelo Hezbollah no Líbano, atribuídas a Israel, aumentaram o alerta no Pentágono, que vê esses ataques como possíveis sinais de uma incursão terrestre ao sul do Líbano. Tal movimento indicaria uma escalada significativa do conflito iniciado na Faixa de Gaza em 7 de outubro, após o ataque do Hamas, que, assim como o Hezbollah, faz parte do Eixo de Resistência apoiado pelo Irã. Uma escalada militar desse tipo poderia impulsionar ainda mais o preço do petróleo.

· 04:12 — A Copa do Mundo da diplomacia

Todo mês de setembro, líderes mundiais se reúnem na sede das Nações Unidas, em Nova York, para dar início à sessão anual da Assembleia Geral da ONU (AGNU), o principal fórum deliberativo e de formulação de políticas da organização. É o espaço onde os 193 estados-membros discutem questões globais e buscam soluções coletivas — com variados graus de sucesso.

Embora os discursos dos líderes comecem oficialmente em 24 de setembro, entre os dias 22 e 23 será realizada a Cúpula do Futuro, descrita pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, como uma oportunidade única, em uma geração, de criar instituições mais eficazes e inclusivas. O Brasil participará, tentando se destacar como um dos principais representantes do Sul Global, ao lado de países como Índia e México.

O debate geral da AGNU, a reunião de alto nível que reúne chefes de estado e governo, sempre conta com um tema central. Este ano, o lema é: “Não deixar ninguém para trás: agir juntos para o avanço da paz, desenvolvimento sustentável e dignidade humana para as gerações presentes e futuras.” Contudo, a 79ª sessão ocorre em um contexto global extremamente delicado.

Conflitos armados, o enfraquecimento da democracia e as tensões entre as grandes potências colocam em xeque a capacidade da ONU de lidar com as crises atuais. Guerras devastadoras na Ucrânia, Gaza e Sudão dominarão a pauta, além de temas como mudanças climáticas e desarmamento nuclear. No entanto, a ONU tem sido amplamente criticada por sua aparente impotência diante desses desafios, levando a um crescente clamor por reformas estruturais, especialmente no Conselho de Segurança, órgão responsável por preservar a paz global. O Brasil é um dos países que almeja uma cadeira permanente nesse conselho, ainda que sem direito a veto.

· 05:08 — Movimentações no mundo da tecnologia

A Intel (ITLC34) está realizando uma profunda reestruturação, transformando seu negócio de fabricação de chips sob contrato em uma subsidiária independente e fortalecendo sua parceria com a Amazon Web Services para o desenvolvimento de chips personalizados voltados para inteligência artificial. A empresa também anunciou a captação de US$ 3 bilhões em financiamento federal para fabricar chips destinados ao Departamento de Defesa.

Esses movimentos foram revelados junto à declaração do CEO, Pat Gelsinger, que informou que a unidade de fabricação será gerida como uma empresa autônoma. No entanto, essas iniciativas surgem em um contexto desafiador para a Intel, cujas ações caíram 55% neste ano, levantando dúvidas sobre sua capacidade de sucesso a curto prazo.

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.

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