Na noite de ontem (27), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez um pronunciamento oficial que, em tese, deveria comunicar ao país os detalhes de um plano de corte de gastos.
Contudo, o discurso se assemelhou mais a uma propaganda eleitoral populista — ter sido na figura de Haddad chama a atenção — do que a um anúncio sobre os cortes. O que deveria ter sido o foco principal foi desviado para a introdução de uma isenção de Imposto de Renda, acompanhada de um imposto mínimo para as faixas de maior renda para compensação. Assim, os cortes de gastos, que o governo estaria elaborando há meses, foram relegados a segundo plano, completamente eclipsados.
A abordagem equivocada de comunicação representou uma grande oportunidade perdida para o governo ajustar as expectativas do mercado, que vêm se deteriorando há meses. A expectativa era de uma mensagem mais clara e objetiva, que demonstrasse sensibilidade fiscal e comprometimento com a responsabilidade econômica. No entanto, o governo falhou em entregar isso.
Antecipando o pronunciamento, o mercado local já havia precificado suas preocupações ao longo da tarde de ontem. O resultado foi imediato e expressivo: o dólar disparou, os juros futuros subiram ainda mais, e o Ibovespa registrou queda acentuada.
Esse movimento reflete a falta de confiança do mercado em relação à capacidade e à disposição política do governo para implementar um ajuste fiscal sustentável. Confesso que, apesar das críticas recorrentes, ainda esperava que o governo demonstrasse ao menos o mínimo de sensibilidade em relação ao tema fiscal. Estava errado: ficou claro que não compreenderam nada a gravidade da situação.
O estrago, neste momento, já está feito, e será necessário um esforço muito maior para reverter a perda de confiança. Tudo isso ocorre em meio ao início do feriado de Ação de Graças nos EUA, que fecha os mercados americanos entre hoje (28) e amanhã (29), reduzindo a liquidez global.
· 00:57 — O Brasil e a insuportável vontade de perder uma oportunidade
Por aqui, teremos uma coletiva hoje (28) pela manhã para apresentar explicações técnicas sobre o suposto plano fiscal anunciado ontem (27). No entanto, ainda pairam dúvidas sobre a origem da economia prometida de R$ 70 bilhões para equilibrar as contas públicas, sendo R$ 30 bilhões previstos para 2025 e R$ 40 bilhões para 2026.
Como venho destacando, mais importante do que o valor absoluto dos cortes é a qualidade das medidas propostas. Infelizmente, essa clareza não foi entregue ontem. Pelo contrário, o anúncio apresentou uma desconexão preocupante com a realidade. O esforço de ajuste fiscal foi praticamente ofuscado pela isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, uma medida que já estava no radar. Em 14 de novembro, após o primeiro adiamento do pacote, inspirado na tese de Felipe Miranda, escrevi nesta newsletter:
“É provável que, além de deixar claro que todas as áreas serão impactadas, Lula queira construir uma narrativa popular, talvez apresentando em paralelo um projeto de isenção do Imposto de Renda para aqueles que ganham até R$ 5 mil, enquanto propõe um imposto mínimo para rendas acima de R$ 1 milhão. A intenção é manter o controle sobre a narrativa pública.” De fato, isso aconteceu.
O que não previmos foi o quão mal comunicado tudo seria. O atraso prolongado no anúncio parece ter enfraquecido a consistência estrutural do plano. A ideia de compensar o impacto de mais de R$ 40 bilhões com um imposto mínimo sobre rendas elevadas soa insuficiente e mal calculada. O momento de anunciar a isenção como alívio para o eleitorado foi, no mínimo, equivocado, dada a gravidade da situação fiscal. Algumas medidas do ajuste fiscal incluem a mudança no salário mínimo, com aumento real limitado a 2,5% acima da inflação.
O abono salarial será restrito a quem ganha até 1,5 salário mínimo, em vez de dois salários mínimos. Há também propostas para tratar das emendas parlamentares, aposentadorias militares e supersalários, medidas que possuem mérito, mas que parecem insuficientes. O grande problema, contudo, não está apenas no conteúdo, mas no timing perdido e na comunicação desastrosa, que destruíram a chance de transformar o anúncio em um vetor positivo para o final do ano. Há meses venho apontando que o governo precisava decidir os rumos dos próximos dois anos neste bimestre. Infelizmente, escolheu o caminho mais complicado.
Os mercados reagiram negativamente. Esse estresse inicial, embora possa ser parcialmente amenizado no curto prazo, aponta para uma tendência mais negativa do que positiva. Sem um plano fiscal robusto, o Banco Central deverá compensar com medidas monetárias, o que torna provável um aumento de 75 pontos-base na Selic em dezembro e projeta uma taxa de juros final na casa dos 13,5% ou mais. Diante da ausência de uma âncora fiscal, recai sobre a política monetária a responsabilidade de estabilizar a economia. A coletiva desta manhã pode trazer esclarecimentos, mas, considerando os erros cometidos, reverter os danos parece difícil. A tese de mudança de pêndulo político em 2026 segue viva, mas o caminho até lá não será trivial.
· 01:43 — Feriadão
Nos Estados Unidos, o feriado de Ação de Graças mantém os mercados fechados hoje e abertos apenas para um pregão reduzido amanhã. Antes disso, os dados de inflação medidos pelo PCE (Índice de Preços de Gastos com Consumo) foram divulgados ontem, confirmando a resistência dos preços nos últimos meses. Essa dinâmica incentivou os investidores a realizarem lucros durante o pregão, contribuindo para uma leve correção nos mercados.
O relatório mostrou que a inflação permanece acima da meta anual de 2% do Federal Reserve, enquanto os dados de renda e gastos dos consumidores continuaram a crescer em um ritmo considerado robusto. Esse cenário reforça a percepção de que, embora a política monetária atual seja considerada restritiva, há espaço para ajustes que permitam a manutenção da expansão econômica, ao mesmo tempo que limitam as pressões inflacionárias.
No entanto, o fraco progresso na desaceleração do crescimento dos preços pode levar o Fed a reavaliar o ritmo de sua política de flexibilização. Caso as pressões inflacionárias persistam, é possível que a autoridade monetária opte por pausar os cortes de juros mais cedo do que o previsto. Seja como for, ainda acredito na possibilidade de um corte de 25 pontos-base na reunião de dezembro, mas o ritmo do ciclo de flexibilização ao longo de 2025 permanece incerto. A evolução da inflação e os próximos dados econômicos serão determinantes para calibrar a trajetória da política monetária nos próximos meses. Pelo menos a economia segue crescendo bastante.
· 02:39 — Visão comercial
Donald Trump anunciou a nomeação de Jamieson Greer como novo Representante Comercial dos Estados Unidos, uma escolha que reforça a continuidade de uma postura comercial agressiva. Greer é um aprendiz de longa data de Robert Lighthizer, que ocupou o cargo durante todo o primeiro mandato de Trump e foi responsável pela implementação de tarifas amplas entre 2017 e 2020. A nomeação sugere que Trump pretende retomar ou até intensificar sua política de confrontação comercial.
O anúncio ocorre em um momento de tensão crescente, após declarações de Trump no início desta semana ameaçando impor tarifas substanciais sobre produtos provenientes dos três maiores parceiros comerciais dos EUA: México, Canadá e China. Caso implementadas, essas medidas podem desorganizar cadeias de suprimentos globais, elevar os preços ao consumidor nos Estados Unidos e prejudicar as economias de México e Canadá, particularmente vulneráveis a esse tipo de política.
Além disso, o impacto potencial das tarifas não se limita à América do Norte ou à China. Países europeus também estão acompanhando a situação com apreensão, dados os precedentes do primeiro mandato de Trump, quando ele utilizou ameaças tarifárias como ferramenta de negociação para forçar concessões comerciais. Seu histórico sugere que a retórica dura pode ser parte de uma estratégia de alavancagem, algo que acredito ser o caso novamente aqui. Seguiremos acompanhando.
· 03:25 — Os resultados de Milei
Quando Javier Milei assumiu a presidência da Argentina, todos sabíamos que os desafios que enfrentaria seriam imensos. Após décadas de políticas peronistas e kirchneristas, marcadas pelo que há de pior no populismo de esquerda latino-americano, o país parecia uma terra arrasada. No entanto, Milei foi eleito com um diferencial importante: não escondeu a gravidade da situação. Ele foi transparente ao reconhecer a necessidade de um ajuste radical e assumiu o compromisso de conduzir mudanças difíceis e impopulares.
Agora, passados apenas doze meses, já começamos a ver os primeiros frutos de sua gestão, um avanço surpreendente até mesmo para aqueles que, como eu, acreditavam que levaria mais tempo para resultados concretos emergirem. Um dos pilares de sua popularidade tem sido o avanço no combate à inflação, algo que parecia inalcançável no cenário caótico em que assumiu o governo. Em outubro, os preços ao consumidor subiram 2,7% em relação a setembro, o ritmo mais lento em quase três anos. Isso representa uma conquista marcante, considerando que, ao final do último governo kirchnerista, em novembro e dezembro do ano passado, a inflação mensal estava em 12,8% e 25,5%, respectivamente.
Para alcançar esse resultado, Milei realizou um ajuste fiscal agressivo: transformou um déficit de 4,4% do PIB em 2023 em um superávit de 0,5% em apenas um ano (um ajuste de 5% do PIB). Claro, essa transformação trouxe consigo uma recessão severa, algo já previsto e inevitável para estabilizar uma economia tão deteriorada. No entanto, sinais indicam que o pior ficou para trás. A inflação segue uma trajetória de queda, as políticas cambiais foram ajustadas, e o setor privado voltou a se expandir (o financiamento ao setor privado saltou 2,3 vezes).
O impacto positivo dessas medidas começa a se refletir também no crescimento econômico. Após a retração em 2023, o PIB já apresenta sinais de recuperação no terceiro e quarto trimestres e deverá crescer mais de 5% em 2024. Além disso, a taxa de pobreza, que inicialmente disparou devido ao ajuste, já começa a cair como reflexo do controle inflacionário. Esses resultados não só refutam as críticas de seus opositores, mas também validam a abordagem dura, porém necessária, que Milei prometeu desde o início. Ele nunca escondeu que o ajuste seria difícil, e o sucesso começa a aparecer.
Esse avanço também é evidente no desempenho dos ativos argentinos, que reagiram positivamente às políticas de Milei. Sua gestão serve como um exemplo de mudança de direção política, sugerindo um possível caminho que o Brasil poderia adotar em 2026. Milei, até agora, demonstrou que o caminho do ajuste duro pode dar resultados quando há clareza, determinação e coragem política.
· 04:14 — Um player fora do radar
A China tem implementado uma série de novas medidas de estímulo econômico desde que estabeleceu sua meta de crescimento de aproximadamente 5% para 2024, uma marca desafiadora até mesmo para países em estágio inicial de desenvolvimento. Contudo, há uma nação que, apesar de enfrentar suas próprias complexidades, tem conseguido manter um ritmo consistente de crescimento: a Malásia.
Embora a Malásia enfrente sua parcela de instabilidade política, o mandato de dois anos do primeiro-ministro Anwar Ibrahim já é mais longo do que os de seus três antecessores imediatos, e sua administração parece ter encontrado uma fórmula vencedora para o sucesso econômico. Um dos pilares dessa estratégia tem sido um esforço contínuo e de longo prazo para atrair empresas estrangeiras do setor de tecnologia, posicionando o país como um hub competitivo no sudeste asiático.
Os resultados começam a aparecer. No último trimestre, o PIB da Malásia cresceu 5,3%, superando o desempenho de 4,6% da China, algo notável dado o peso da economia chinesa na região. Agora, o governo de Anwar está lançando um ambicioso plano de investimento doméstico, que será crucial para determinar a capacidade do país de enfrentar desafios econômicos futuros, incluindo os efeitos potenciais de uma segunda administração Trump nos Estados Unidos. Esse conjunto de iniciativas coloca a Malásia como um player emergente no cenário global, com uma abordagem estratégica que equilibra o fortalecimento interno e a integração ao mercado global.
· 05:02 — A importância de proteções e internacionalização
A recente volatilidade no Brasil nos últimos meses reforça a importância de diversificar as carteiras de investimentos com alocações internacionais.
O investidor brasileiro, de forma geral, historicamente concentra a maior parte de seus recursos no mercado doméstico, o que considero um erro estratégico …