Iniciamos o último mês do ano em meio às repercussões do tão adiado pacote de redução de gastos do governo. Como já discutimos, a comunicação foi extremamente confusa, misturando o anúncio da isenção de imposto de renda para salários de até R$ 5 mil com o aumento da tributação sobre os mais ricos, ao lado do suposto corte de gastos — na verdade, não se trata de cortes, mas apenas de um crescimento menor nas despesas. O resultado foi a maior oportunidade perdida do ano para o governo.
Havia espaço para retirar prêmios da curva de juros e pressionar o dólar para baixo, mas o que vimos foi o efeito oposto. A situação é a definição perfeita de um tiro no próprio pé. Para piorar, o cenário global também não colabora: o primeiro ano do novo mandato de Donald Trump, os conflitos no Oriente Médio e no Leste Europeu, a desaceleração nas economias europeia e chinesa, e um ritmo mais lento nos cortes de juros nos EUA formam um ambiente desafiador para 2024.
No lado positivo, a situação doméstica forçou uma reação do Congresso Nacional, reforçando a tese de um Legislativo mais independente e alinhado à direita, algo que se consolidou após as eleições de 2022. As intervenções dos presidentes das casas legislativas ajudaram a minimizar os danos causados pelo governo. No entanto, a batalha está longe de ser vencida, e o caminho até o final do ano segue bem incerto.
Na agenda desta semana, o foco no exterior estará nos dados de emprego nos EUA, que chegam após o período de Black Friday, enquanto, no Brasil, teremos a divulgação dos dados oficiais de PIB. O dólar começou o dia em alta, colocando pressão adicional sobre o real e adicionando mais complexidade ao cenário econômico. O momento exige atenção redobrada, tanto no âmbito doméstico quanto no global.
· 00:56 — A trajetória é perigosa
Em linha com as análises que venho apresentando neste espaço, a Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, avaliou que as medidas do pacote de corte de gastos são insuficientes para reverter os déficits primários projetados para 2025 e 2026. Minha visão é que o objetivo desse pacote deveria ser atuar como uma ponte fiscal para que o país atravessasse 2025 e entrasse em 2026, ano eleitoral, momento em que uma rediscussão mais ampla sobre o futuro fiscal do Brasil seria viável. Contudo, o governo acabou bagunçando tudo isso com o atraso e sua comunicação.
Note que, apesar do quadro fiscal precário, é importante destacar que a situação atual não configura um cenário recessivo, sendo bem distinta da crise vivida em 2015. O problema, no entanto, reside na sustentabilidade desse cenário econômico de crescimento e baixa taxa de desemprego. Nos últimos 12 meses, os pagamentos de juros totalizaram impressionantes R$ 869 bilhões, o equivalente a 7,6% do PIB. Como consequência, o setor público registrou em outubro um déficit nominal de R$ 74,7 bilhões, elevando o déficit acumulado em 12 meses para R$ 1,093 trilhão (9,5% do PIB). Simultaneamente, a dívida do governo subiu para 78,6% do PIB. Os números revelam um quadro preocupante, que coloca o governo em um beco sem saída.
Para agravar ainda mais o cenário, o governo reduziu o bloqueio orçamentário estipulado no último relatório bimestral de R$ 6 bilhões para R$ 4,3 bilhões, uma decisão que deve intensificar o mal-estar do mercado em relação ao pacote de contenção de gastos. O ministro Fernando Haddad e sua equipe enfrentam agora o desafio urgente de recuperar credibilidade em meio a um contexto que se deteriora rapidamente. Provavelmente, será necessário que o Congresso Nacional aprofunde o pacote de contenção de gastos, como prometeram os presidentes das casas legislativas na última sexta-feira (29). Essa movimentação poderá aliviar a pressão do mercado, especialmente se a isenção de IR for relegada a segundo plano. Paralelamente, espera-se que o governo apresente medidas adicionais nos próximos 30 a 60 dias — embora, dado o histórico de atrasos, isso possa levar 90 a 180 dias.
Como já mencionei anteriormente, o governo tinha a oportunidade de escolher entre construir um 2025 mais fácil ou mais difícil. No entanto, ao ceder ao populismo vazio de uma ala política/petista mais radical e demagógica, optou pelo caminho mais complicado. A recuperação da confiança do mercado dependerá agora de ações concretas e de uma guinada clara na direção de maior responsabilidade fiscal.
· 01:41 — Pelo menos isso…
Um dos principais desdobramentos negativos da recente confusão no âmbito fiscal é que o governo acabou contratando um aperto monetário mais severo. Devemos nos preparar para pelo menos duas novas altas de 75 pontos-base na Selic, uma em dezembro e outra em janeiro, já sob a liderança de Gabriel Galípolo no Banco Central. Galípolo, em seu primeiro Copom, dificilmente terá margem para reduzir o ritmo sem arriscar a credibilidade do Comitê. Suas declarações recentes reforçam essa expectativa: na semana passada, afirmou que seria lógico imaginar que os juros precisem permanecer mais contracionistas por mais tempo, um comentário que demonstra alinhamento com a necessidade de combater as pressões inflacionárias.
Por outro lado, um ponto que contribui para reforçar a credibilidade do Banco Central é a qualidade dos novos nomes indicados para suas diretorias. O destaque é Nilton David, indicado para a diretoria de Política Monetária, cuja escolha foi muito bem recebida pelo mercado. Nilton possui um currículo robusto, com passagens por Morgan Stanley, Citi, Barclays e Goldman Sachs. Atualmente, ele é chefe de operações da tesouraria do Bradesco, onde liderou uma reestruturação significativa, separando de forma mais clara as operações realizadas com recursos próprios daquelas realizadas com recursos dos clientes.
A indicação de Nilton David, sendo o primeiro nome formalmente apresentado sob o comando de Galípolo, deixou uma impressão positiva entre os analistas e investidores. Os demais indicados às diretorias do Banco Central são profissionais de carreira da instituição, destinados a áreas mais burocráticas e com menor impacto direto no mercado. Mesmo assim, esses movimentos demonstram um cuidado em preservar a capacidade técnica do BC, um elemento crucial em um momento de elevada sensibilidade econômica.
· 02:39 — Volta do feriado
Na véspera do feriado de Ação de Graças, na quinta-feira passada (28), os investidores nos Estados Unidos foram impactados por uma série de importantes dados econômicos. Entre os destaques, tivemos a estimativa atualizada sobre o crescimento do PIB no terceiro trimestre, que foi mantida em robustos 2,8%, e a leitura de outubro do índice de preços de despesas de consumo pessoal (PCE), amplamente reconhecido como o indicador de inflação preferido do Fed.
Esses números reforçam a percepção de resiliência econômica nos EUA e foram divulgados em um momento estratégico, logo antes da Black Friday, que foi um grande sucesso no país — o impacto positivo também foi sentido no Brasil, onde o desempenho da data comercial foi o melhor em quatro anos, impulsionado em parte pelo pagamento da primeira parcela do 13° salário.
Adicionalmente, a ata da reunião do Comitê de Política Monetária de novembro revelou discussões sobre a possibilidade de pausar os cortes de juros, caso a inflação permaneça em níveis elevados. Embora essa possibilidade seja relevante para 2025, ainda acredito que teremos um corte de 25 pontos-base na próxima reunião de dezembro. Na agenda desta semana, o destaque fica para os dados de emprego referentes a novembro, que serão fundamentais para avaliar o ritmo de recuperação do mercado de trabalho e suas implicações na política monetária do Fed. Esses indicadores continuarão moldando as expectativas para a trajetória dos juros.
· 03:27 — Batendo palma pra louco dançar
Durante o final de semana, o presidente eleito dos Estados Unidos fez uma exigência contundente aos países membros do BRICS, determinando que se comprometam a não criar uma nova moeda nem apoiar qualquer alternativa que possa substituir o dólar. Caso contrário, ameaçou impor tarifas de 100% sobre as importações provenientes desses países.
O contexto da declaração remonta a outubro, quando o presidente Lula, durante uma cúpula do BRICS realizada em Kazan, na Rússia, defendeu que o bloco emergente avançasse na criação de meios de pagamento alternativos, permitindo transações comerciais entre seus membros sem a necessidade de utilizar o dólar. Curiosamente, até então, a ideia de uma moeda própria do BRICS+ era amplamente considerada como uma proposta mais retórica do que prática, sem grande materialidade ou tração real. Levá-la a sério seria como bater palma pra louco dançar.
O que torna essa situação peculiar é que a ameaça de Trump acabou dando mais visibilidade e peso ao projeto. Ou seja, de certa forma, a postura do presidente eleito reforçou a relevância de uma ideia que, até então, era tratada com ceticismo. O processo lembra o surgimento do próprio BRICS, que começou como um conceito abstrato, proposto por um relatório de um banco de investimentos — originalmente sem a África do Sul, o “S” atual — e só ganhou materialidade geopolítica ao chamar a atenção de lideranças ocidentais no final da primeira década do século.
No entanto, o que realmente enfraquece o dólar não são projetos megalomaníacos e desconectados da realidade, como uma moeda do BRICS (que dificilmente teria adoção significativa em um mundo que prefere o dólar como reserva de valor). O verdadeiro desafio ao status do dólar está nos problemas institucionais domésticos dos Estados Unidos, como a deterioração da percepção fiscal e questões internas que impactam a credibilidade do país (o 6 de janeiro de Trump e o perdão ao próprio filho de Biden conversam pouco com o “rule of law”). Esses problemas, e não ameaças externas ou propostas improváveis, deveriam ser o foco de preocupação de Trump.
· 04:15 — Economia polar
À medida que as mudanças climáticas aquecem o Ártico e a Antártida em um ritmo mais acelerado do que o restante do planeta, essas regiões, antes quase inacessíveis, estão revelando um potencial comercial crescente. Esse fenômeno é especialmente evidente na área ao redor do Polo Norte, onde o recuo do gelo tem ampliado a janela anual para navegação no Oceano Ártico, impulsionando atividades econômicas na região. Entre 2013 e 2023, o número de embarcações operando no Ártico cresceu quase 40%, resultado do aumento de operações de perfuração de gás natural e petróleo.
Paralelamente, esforços significativos estão em andamento para explorar o potencial mineral do Ártico, com foco em recursos essenciais para a transição energética global, como minerais críticos usados na indústria de energia limpa. Além disso, o transporte de contêineres está ganhando tração, assim como o setor de turismo, que vê oportunidades nas paisagens e experiências únicas da região.
Na Antártida, o ritmo de exploração econômica ainda é consideravelmente mais lento devido às restrições impostas pelo Tratado da Antártida, que proíbe atividades comerciais e exploratórias até pelo menos 2048. No entanto, muitos acreditam que a região possui vastas reservas de minerais e combustíveis fósseis que poderão atrair interesse global quando o tratado for revisado (não sei se será o caso, mas há a possibilidade). Seja no Ártico ou na Antártida, é evidente que os extremos do planeta estarão no centro de debates e iniciativas nos próximos anos, seja pelos desafios ambientais que enfrentam ou pelas oportunidades econômicas que apresentam. A dualidade entre a preservação ecológica e a exploração comercial dessas regiões promete ser um dos temas mais complexos e discutidos nas próximas décadas.
· 05:08 — No Brasil, você é muito bem pago para esperar
Recentemente, revisitei um comentário feito por Ray Dalio, fundador da Bridgewater Associates, a maior gestora de ativos do mundo, que capturou a atenção do mercado. Ele reiterou sua visão de que manter uma reserva de caixa atualmente faz sentido — uma perspectiva que contrasta com sua famosa declaração de início de 2020, quando afirmou que “dinheiro é lixo” (“cash is trash”). Naquele momento…