Investimentos

Pacote fiscal insuficiente, novos nomes para o BC e Trump ataca moeda dos BRICS – veja os destaques desta segunda-feira (2)

O cenário global de conflitos no Oriente Médio e Leste Europeu, chegada de Trump ao governo e pacote de corte de gastos são destaques do dia.

Por Matheus Spiess

02 dez 2024, 09:10 - atualizado em 02 dez 2024, 09:10

brasil economia mercado exportação

Imagem: iStock/ Iskandar Zulkarnaen

Iniciamos o último mês do ano em meio às repercussões do tão adiado pacote de redução de gastos do governo. Como já discutimos, a comunicação foi extremamente confusa, misturando o anúncio da isenção de imposto de renda para salários de até R$ 5 mil com o aumento da tributação sobre os mais ricos, ao lado do suposto corte de gastos — na verdade, não se trata de cortes, mas apenas de um crescimento menor nas despesas. O resultado foi a maior oportunidade perdida do ano para o governo.

Havia espaço para retirar prêmios da curva de juros e pressionar o dólar para baixo, mas o que vimos foi o efeito oposto. A situação é a definição perfeita de um tiro no próprio pé. Para piorar, o cenário global também não colabora: o primeiro ano do novo mandato de Donald Trump, os conflitos no Oriente Médio e no Leste Europeu, a desaceleração nas economias europeia e chinesa, e um ritmo mais lento nos cortes de juros nos EUA formam um ambiente desafiador para 2024.

No lado positivo, a situação doméstica forçou uma reação do Congresso Nacional, reforçando a tese de um Legislativo mais independente e alinhado à direita, algo que se consolidou após as eleições de 2022. As intervenções dos presidentes das casas legislativas ajudaram a minimizar os danos causados pelo governo. No entanto, a batalha está longe de ser vencida, e o caminho até o final do ano segue bem incerto.

Na agenda desta semana, o foco no exterior estará nos dados de emprego nos EUA, que chegam após o período de Black Friday, enquanto, no Brasil, teremos a divulgação dos dados oficiais de PIB. O dólar começou o dia em alta, colocando pressão adicional sobre o real e adicionando mais complexidade ao cenário econômico. O momento exige atenção redobrada, tanto no âmbito doméstico quanto no global.

· 00:56 — A trajetória é perigosa

Em linha com as análises que venho apresentando neste espaço, a Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, avaliou que as medidas do pacote de corte de gastos são insuficientes para reverter os déficits primários projetados para 2025 e 2026. Minha visão é que o objetivo desse pacote deveria ser atuar como uma ponte fiscal para que o país atravessasse 2025 e entrasse em 2026, ano eleitoral, momento em que uma rediscussão mais ampla sobre o futuro fiscal do Brasil seria viável. Contudo, o governo acabou bagunçando tudo isso com o atraso e sua comunicação.

Note que, apesar do quadro fiscal precário, é importante destacar que a situação atual não configura um cenário recessivo, sendo bem distinta da crise vivida em 2015. O problema, no entanto, reside na sustentabilidade desse cenário econômico de crescimento e baixa taxa de desemprego. Nos últimos 12 meses, os pagamentos de juros totalizaram impressionantes R$ 869 bilhões, o equivalente a 7,6% do PIB. Como consequência, o setor público registrou em outubro um déficit nominal de R$ 74,7 bilhões, elevando o déficit acumulado em 12 meses para R$ 1,093 trilhão (9,5% do PIB). Simultaneamente, a dívida do governo subiu para 78,6% do PIB. Os números revelam um quadro preocupante, que coloca o governo em um beco sem saída.

Para agravar ainda mais o cenário, o governo reduziu o bloqueio orçamentário estipulado no último relatório bimestral de R$ 6 bilhões para R$ 4,3 bilhões, uma decisão que deve intensificar o mal-estar do mercado em relação ao pacote de contenção de gastos. O ministro Fernando Haddad e sua equipe enfrentam agora o desafio urgente de recuperar credibilidade em meio a um contexto que se deteriora rapidamente. Provavelmente, será necessário que o Congresso Nacional aprofunde o pacote de contenção de gastos, como prometeram os presidentes das casas legislativas na última sexta-feira (29). Essa movimentação poderá aliviar a pressão do mercado, especialmente se a isenção de IR for relegada a segundo plano. Paralelamente, espera-se que o governo apresente medidas adicionais nos próximos 30 a 60 dias — embora, dado o histórico de atrasos, isso possa levar 90 a 180 dias.

Como já mencionei anteriormente, o governo tinha a oportunidade de escolher entre construir um 2025 mais fácil ou mais difícil. No entanto, ao ceder ao populismo vazio de uma ala política/petista mais radical e demagógica, optou pelo caminho mais complicado. A recuperação da confiança do mercado dependerá agora de ações concretas e de uma guinada clara na direção de maior responsabilidade fiscal.

· 01:41 — Pelo menos isso…

Um dos principais desdobramentos negativos da recente confusão no âmbito fiscal é que o governo acabou contratando um aperto monetário mais severo. Devemos nos preparar para pelo menos duas novas altas de 75 pontos-base na Selic, uma em dezembro e outra em janeiro, já sob a liderança de Gabriel Galípolo no Banco Central. Galípolo, em seu primeiro Copom, dificilmente terá margem para reduzir o ritmo sem arriscar a credibilidade do Comitê. Suas declarações recentes reforçam essa expectativa: na semana passada, afirmou que seria lógico imaginar que os juros precisem permanecer mais contracionistas por mais tempo, um comentário que demonstra alinhamento com a necessidade de combater as pressões inflacionárias.

Por outro lado, um ponto que contribui para reforçar a credibilidade do Banco Central é a qualidade dos novos nomes indicados para suas diretorias. O destaque é Nilton David, indicado para a diretoria de Política Monetária, cuja escolha foi muito bem recebida pelo mercado. Nilton possui um currículo robusto, com passagens por Morgan Stanley, Citi, Barclays e Goldman Sachs. Atualmente, ele é chefe de operações da tesouraria do Bradesco, onde liderou uma reestruturação significativa, separando de forma mais clara as operações realizadas com recursos próprios daquelas realizadas com recursos dos clientes.

A indicação de Nilton David, sendo o primeiro nome formalmente apresentado sob o comando de Galípolo, deixou uma impressão positiva entre os analistas e investidores. Os demais indicados às diretorias do Banco Central são profissionais de carreira da instituição, destinados a áreas mais burocráticas e com menor impacto direto no mercado. Mesmo assim, esses movimentos demonstram um cuidado em preservar a capacidade técnica do BC, um elemento crucial em um momento de elevada sensibilidade econômica.

· 02:39 — Volta do feriado

Na véspera do feriado de Ação de Graças, na quinta-feira passada (28), os investidores nos Estados Unidos foram impactados por uma série de importantes dados econômicos. Entre os destaques, tivemos a estimativa atualizada sobre o crescimento do PIB no terceiro trimestre, que foi mantida em robustos 2,8%, e a leitura de outubro do índice de preços de despesas de consumo pessoal (PCE), amplamente reconhecido como o indicador de inflação preferido do Fed.

Esses números reforçam a percepção de resiliência econômica nos EUA e foram divulgados em um momento estratégico, logo antes da Black Friday, que foi um grande sucesso no país — o impacto positivo também foi sentido no Brasil, onde o desempenho da data comercial foi o melhor em quatro anos, impulsionado em parte pelo pagamento da primeira parcela do 13° salário.

Adicionalmente, a ata da reunião do Comitê de Política Monetária de novembro revelou discussões sobre a possibilidade de pausar os cortes de juros, caso a inflação permaneça em níveis elevados. Embora essa possibilidade seja relevante para 2025, ainda acredito que teremos um corte de 25 pontos-base na próxima reunião de dezembro. Na agenda desta semana, o destaque fica para os dados de emprego referentes a novembro, que serão fundamentais para avaliar o ritmo de recuperação do mercado de trabalho e suas implicações na política monetária do Fed. Esses indicadores continuarão moldando as expectativas para a trajetória dos juros.

· 03:27 — Batendo palma pra louco dançar

Durante o final de semana, o presidente eleito dos Estados Unidos fez uma exigência contundente aos países membros do BRICS, determinando que se comprometam a não criar uma nova moeda nem apoiar qualquer alternativa que possa substituir o dólar. Caso contrário, ameaçou impor tarifas de 100% sobre as importações provenientes desses países.

O contexto da declaração remonta a outubro, quando o presidente Lula, durante uma cúpula do BRICS realizada em Kazan, na Rússia, defendeu que o bloco emergente avançasse na criação de meios de pagamento alternativos, permitindo transações comerciais entre seus membros sem a necessidade de utilizar o dólar. Curiosamente, até então, a ideia de uma moeda própria do BRICS+ era amplamente considerada como uma proposta mais retórica do que prática, sem grande materialidade ou tração real. Levá-la a sério seria como bater palma pra louco dançar.

O que torna essa situação peculiar é que a ameaça de Trump acabou dando mais visibilidade e peso ao projeto. Ou seja, de certa forma, a postura do presidente eleito reforçou a relevância de uma ideia que, até então, era tratada com ceticismo. O processo lembra o surgimento do próprio BRICS, que começou como um conceito abstrato, proposto por um relatório de um banco de investimentos — originalmente sem a África do Sul, o “S” atual — e só ganhou materialidade geopolítica ao chamar a atenção de lideranças ocidentais no final da primeira década do século.

No entanto, o que realmente enfraquece o dólar não são projetos megalomaníacos e desconectados da realidade, como uma moeda do BRICS (que dificilmente teria adoção significativa em um mundo que prefere o dólar como reserva de valor). O verdadeiro desafio ao status do dólar está nos problemas institucionais domésticos dos Estados Unidos, como a deterioração da percepção fiscal e questões internas que impactam a credibilidade do país (o 6 de janeiro de Trump e o perdão ao próprio filho de Biden conversam pouco com o “rule of law”). Esses problemas, e não ameaças externas ou propostas improváveis, deveriam ser o foco de preocupação de Trump.

· 04:15 — Economia polar

À medida que as mudanças climáticas aquecem o Ártico e a Antártida em um ritmo mais acelerado do que o restante do planeta, essas regiões, antes quase inacessíveis, estão revelando um potencial comercial crescente. Esse fenômeno é especialmente evidente na área ao redor do Polo Norte, onde o recuo do gelo tem ampliado a janela anual para navegação no Oceano Ártico, impulsionando atividades econômicas na região. Entre 2013 e 2023, o número de embarcações operando no Ártico cresceu quase 40%, resultado do aumento de operações de perfuração de gás natural e petróleo.

Paralelamente, esforços significativos estão em andamento para explorar o potencial mineral do Ártico, com foco em recursos essenciais para a transição energética global, como minerais críticos usados na indústria de energia limpa. Além disso, o transporte de contêineres está ganhando tração, assim como o setor de turismo, que vê oportunidades nas paisagens e experiências únicas da região.

Na Antártida, o ritmo de exploração econômica ainda é consideravelmente mais lento devido às restrições impostas pelo Tratado da Antártida, que proíbe atividades comerciais e exploratórias até pelo menos 2048. No entanto, muitos acreditam que a região possui vastas reservas de minerais e combustíveis fósseis que poderão atrair interesse global quando o tratado for revisado (não sei se será o caso, mas há a possibilidade). Seja no Ártico ou na Antártida, é evidente que os extremos do planeta estarão no centro de debates e iniciativas nos próximos anos, seja pelos desafios ambientais que enfrentam ou pelas oportunidades econômicas que apresentam. A dualidade entre a preservação ecológica e a exploração comercial dessas regiões promete ser um dos temas mais complexos e discutidos nas próximas décadas.

· 05:08 — No Brasil, você é muito bem pago para esperar

Recentemente, revisitei um comentário feito por Ray Dalio, fundador da Bridgewater Associates, a maior gestora de ativos do mundo, que capturou a atenção do mercado. Ele reiterou sua visão de que manter uma reserva de caixa atualmente faz sentido — uma perspectiva que contrasta com sua famosa declaração de início de 2020, quando afirmou que “dinheiro é lixo” (“cash is trash”). Naquele momento…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.