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Ontem, após o S&P 500 registrar sua maior alta em um dia de decisão do Federal Reserve desde julho, os mercados americanos despertaram com um banho de realidade — ou, para ser mais preciso, com o já familiar mau humor que tem marcado este ano. O pessimismo se espalhou rapidamente por diversas praças globais, alimentado por uma combinação indigestível de fatores: uma overdose de reuniões de política monetária, o medo crescente de uma desaceleração econômica brusca nos EUA (com direito a murmúrios sobre uma possível recessão técnica) e, para completar, o retorno dos riscos geopolíticos no Oriente Médio ao centro das atenções.
Para quem gosta de dados: a atual correção do S&P 500 já supera a média histórica. E como se isso não bastasse, hoje é dia de triplo vencimento de opções nos EUA — o famoso triple witching day —, com trilhões de dólares em contratos sendo liquidados, o que, inevitavelmente, deve alimentar mais volatilidade nos mercados.
Nesta manhã, o cenário segue azedo. As bolsas europeias operam em queda mais uma vez, acompanhadas pelos futuros americanos, depois de um pregão turbulento na Ásia. No Japão, o mercado recuou na volta do feriado. Na China, as duas principais bolsas fecharam em baixa significativa, em boa parte como resposta à incerteza provocada pela retórica tarifária de Donald Trump, que voltou a assombrar o comércio global como um velho fantasma que nunca descansa.
Por aqui, depois de uma sequência de altas, os investidores aproveitaram o momento para realizar lucros, justamente no dia em que, com meses de atraso, o orçamento de 2025 finalmente andou. Sim, o país chegou ao fim de março para ter uma previsão formal de gastos — o tipo de normalização do absurdo que já nem surpreende mais. A agenda do dia, no entanto, tanto no Brasil quanto no exterior, é esvaziada.
· 00:53 — Caro Haddad, 14,25% de Selic não caem do céu
No Brasil, para não dizer que a agenda está completamente vazia, ainda há a possibilidade — não confirmada — de divulgação dos dados de arrecadação federal referentes a fevereiro, que devem mostrar crescimento puxado pela atividade econômica. Mas não nos iludamos: o problema estrutural do país não está na arrecadação, e sim na gastança desenfreada. E, pior, o governo não demonstra o menor interesse em enfrentá-lo. A propósito, hoje (21) repercutimos duas entrevistas concedidas ontem (20) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nas quais ele tentou explicar a proposta de isenção do Imposto de Renda, tema que já tratei exaustivamente neste espaço. Então, serei direto: ninguém contesta o mérito de uma reforma tributária da renda no Brasil. O que está em jogo é o modo desajeitado com que todo o processo foi conduzido e comunicado — e, principalmente, o produto final, que, com sua estratégia de compensação mal amarrada, parece mais um improviso fiscal eleitoreiro e populista disfarçado de política pública. O resultado deverá ser mais déficit e inflação.
Haddad, que vinha mantendo uma postura mais técnica, ao menos relativamente frente aos seus pares ministros, agora adota um discurso cada vez mais politizado — talvez por saber que, caso Lula não seja candidato em 2026, ele será o nome natural da sucessão, apesar de seu histórico de derrotas eleitorais. Pelo menos, desta vez, foi respeitoso ao tratar da política monetária, depois da alta de 100 pontos — que comentamos ontem. Mas fique claro: a Fazenda tem participação direta no caminho que levou a Selic a 14,25%. O descontrole fiscal foi um dos pilares centrais da deterioração inflacionária — e tudo indica que essa desorganização vai se agravar ao longo deste ano. É evidente que Lula e sua ala política — aquela mesma que trata a ciência econômica como um detalhe incômodo — carregam a maior parcela de culpa. Mas não dá para isentar a equipe da Fazenda: a incapacidade crônica de impor limites, construir consensos técnicos ou, no mínimo, se fazer ouvir, também os coloca com culpa no cartório. Afinal, omissão diante do desastre anunciado é conivência.
Falando em desorganização, finalmente foi aprovado o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025. Sim, no fim do primeiro trimestre. A lentidão foi causada, entre outras coisas, pelas travas à expansão de gastos aprovadas no fim de 2024 e pela suspensão das emendas parlamentares pelo STF, já revertida. O texto do orçamento prevê um superávit primário de R$ 15 bilhões. Já adianto: isso não vai acontecer. Quando colocamos o Brasil lado a lado com seus pares emergentes, o retrato é preocupante. Nossas contas públicas e externas estão visivelmente deterioradas. O déficit nominal deve ultrapassar 7% do PIB em 2025, enquanto o déficit em conta corrente pode chegar a 4% do PIB — um clássico caso de déficits gêmeos. Para um país emergente, isso é especialmente insustentável. E, infelizmente, o atual governo não tem apetite ou competência para reverter esse quadro. Se houver alguma chance de correção, ela deve ficar para 2027, com um possível novo governo.
· 01:45 — Medo de desaceleração
Nos EUA, os mercados sofreram ontem, digerindo com mais sobriedade a decisão de política monetária anunciada na quarta-feira (19). A reação inicial, ainda sob efeito do comunicado do Fed, foi até positiva — mas o entusiasmo durou pouco. Na medida em que os investidores retomaram o raciocínio, a cautela se impôs. E com razão.
Diversos fatores contribuíram para azedar o humor dos mercados, e tudo indica que o desconforto continua nesta manhã. No centro do pessimismo, está o medo — cada vez mais palpável — de uma desaceleração econômica mais acentuada (talvez até recessão técnica). Nem mesmo os dados do setor imobiliário, que surpreenderam positivamente ontem, foram suficientes para conter o movimento de aversão a risco.
Sem nenhum gatilho relevante previsto para hoje (21), o noticiário geopolítico e as especulações sobre tarifas comerciais podem ganhar protagonismo — caso, claro, surja alguma novidade concreta. Caso contrário, é pouco provável que o mercado consiga reverter o sinal negativo que já se desenha, ainda que ele venha em doses moderadas. Por ora, a ausência de boas notícias já é, por si só, um problema.
· 02:36 — Os problemas comerciais e militares
A União Europeia decidiu adiar, ao menos por enquanto, sua proposta de impor uma tarifa punitiva de 50% sobre o uísque americano. A medida, que fazia parte de um pacote de retaliações comerciais no valor de aproximadamente US$ 28 bilhões, atingiria uma lista de produtos dos EUA — aço, alumínio, carne bovina, aves, bourbon, motocicletas, manteiga de amendoim e até jeans. O plano era aplicar as tarifas em duas fases, nos dias 1º e 13 de abril, como resposta às tarifas americanas de 25% sobre aço e alumínio.
O adiamento da tarifa sobre o bourbon, originalmente marcada para entrar em vigor já no início do mês, parece mais um gesto diplomático do que uma mudança de rumo: dá tempo para mais negociações com Washington. Não que o risco tenha desaparecido — ele apenas foi empurrado algumas semanas adiante, o que, em se tratando de guerra comercial, é quase uma tradição. O novo cronograma europeu vem na esteira das ameaças de Donald Trump, que volta a ensaiar sua retórica de tarifas recíprocas a partir de abril (algo que pode afetar o Brasil, inclusive).
Em paralelo, cresce a tensão entre EUA e Europa não apenas no front comercial, mas também na área de defesa. Os líderes europeus devem se reunir na próxima semana para discutir segurança regional — uma pauta cada vez mais inadiável, especialmente diante da incerteza americana sobre a continuidade do apoio à Ucrânia.
Aliás, tentando segurar o que resta desse apoio, o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy mencionou publicamente a possibilidade de os EUA investirem em usinas nucleares em território ucraniano — um gesto simbólico para sinalizar abertura estratégica, especialmente depois do desgaste gerado por seus embates com Trump. No fundo, tudo indica que o conflito na Ucrânia se aproxima de um desfecho. Isso, por si só, pode soar como alívio, considerando a escala da tragédia humanitária em curso. O problema será o que virá depois: a herança estratégica de Donald Trump. Se há algo pior que uma guerra longa, é uma paz mal desenhada. Estamos perigosamente perto disso.
· 03:21 — Retomando parte da força
O preço do barril de petróleo recua levemente nesta manhã, mas só depois de ter retomado os US$ 72 no pregão de ontem. A alta veio após os Estados Unidos anunciarem novas sanções com efeitos indiretos, mas bem calculados, sobre o Irã. Desta vez, o alvo foi uma refinaria independente chinesa — conhecidas como “teapots” — e as embarcações responsáveis pelo transporte de petróleo bruto até ela. Pequeno detalhe: essas refinarias são as principais compradoras do petróleo iraniano, e a China, sua maior importadora. Em outras palavras, o recado foi dado ao Irã.
Mas não foi só isso que mexeu com os preços. A Opep+ divulgou que Rússia, Iraque, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Cazaquistão e Omã — ou seja, boa parte do núcleo duro do cartel — apresentaram um plano de compensação de produção. Esses países vêm produzindo acima do que prometeram nos cortes voluntários anteriores e, agora, tentam ajustar as contas com um cronograma de reduções que pode chegar a até 435 mil barris por dia. A correção está prevista para ocorrer até junho de 2026 — o ajuste será lento, mas dará sustentação aos preços.
Em resumo: ainda que o eventual fim da guerra na Ucrânia possa trazer algum alívio para o petróleo, há outros vetores — geopolíticos, comerciais e estratégicos — mantendo a commodity firmemente acima dos US$ 70 por barril. Bom para o Brasil…
· 04:17 — A dívida global
Quem ainda acredita que o Brasil é um ponto fora da curva quando se trata de caos fiscal está perigosamente desinformado. De acordo com os dados mais recentes da OCDE, a dívida global ultrapassou a impressionante marca de US$ 100 trilhões no ano passado — um número tão obsceno que dispensa adjetivos. A escalada foi vertiginosa entre 2021 e 2024, período em que os custos com juros, como proporção do PIB, saltaram do nível mais baixo em duas décadas para o mais alto. Atualmente, os países membros da OCDE destinam, em média, 3,3% do PIB apenas para pagar juros.
Mesmo com os bancos centrais começando a acenar com cortes nas taxas básicas, os custos de financiamento seguem elevados — muito acima do que se via antes de 2022, quando o mundo vivia na ilusão de que déficits podiam crescer impunemente sob a proteção anestésica dos juros zerados. Pois bem, a conta chegou. E não veio com desconto. Essa ressaca fiscal do pós-pandemia explica por que até economias centrais, como os Estados Unidos, estão tropeçando nas próprias pernas orçamentárias. A crise de credibilidade fiscal já começa a cobrar seu preço político: governos têm caído por não conseguirem aprovar orçamentos básicos.
· 05:03 — O tema da rotação
Não é novidade para ninguém que 2025 tem sido um ano de clara rotação de capital — tanto setorial quanto geográfica. O velho “excepcionalismo americano” ainda não foi completamente abandonado, mas está, no mínimo, em processo de reavaliação. A combinação de incertezas comerciais e medo de uma desaceleração econômica mais severa começou a minar a confiança cega nos lucros de empresas cujos valuations já haviam extrapolado a razoabilidade. O resultado? O dinheiro começou a migrar.