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O discurso de Donald Trump no Fórum Econômico Mundial de Davos, ontem (23), foi muito bem recebido pelos mercados internacionais, consolidando uma semana marcada pela redução dos temores em relação ao início de seu governo. Apesar das expectativas iniciais de um governo combativo e de retórica agressiva, especialmente no que diz respeito à aplicação de tarifas comerciais, a postura de Trump foi interpretada como mais conciliadora do que o esperado.
Sim, as tarifas provavelmente virão, mas, ao menos neste momento, não foram aplicadas de forma abrupta ou devastadora, como muitos temiam. Sem chute no peito e tapa na cara. Ótimo. É claro que ainda estamos nos primeiros capítulos do novo mandato de Trump e muita coisa pode mudar; contudo, a impressão inicial foi positiva, o que ajudou a sustentar o otimismo nos mercados.
A boa reação foi evidente nas bolsas asiáticas, que encerraram a sexta-feira (24) em alta, incluindo os mercados chineses, impulsionados por esse alívio no cenário internacional. A exceção na região foi o Japão, onde os mercados recuaram em resposta ao aumento nas taxas de juros anunciado pelo Banco do Japão no último pregão da semana. Na Europa, o otimismo também prevalece nesta manhã, com os investidores reagindo de forma positiva aos dados econômicos mais fortes do que o esperado, como os índices PMI de serviços e atividade industrial na região. Esses números fortalecem o euro, o que, por sua vez, enfraquece o dólar em nível global, um movimento favorável para outras moedas — mas que não foi tão evidente no Brasil.
Por aqui, o cenário foi ofuscado pelos rumores vindos de Brasília sobre a possível adoção de medidas pouco ortodoxas para conter a escalada dos preços dos alimentos, o que gerou receios de intervenção excessiva no mercado. Essa incerteza doméstica impediu que o real e os ativos locais se beneficiassem plenamente do bom humor global. O contexto internacional, no entanto, continua promissor.
· 00:51 — Não aprenderam nada…
No Brasil, o destaque desta sexta-feira (24) é a divulgação do IPCA-15 de janeiro, a prévia da inflação oficial. É provável que os números já tenham saído enquanto você lê estas linhas. O principal fator nesta leitura foi a entrada do bônus de Itaipu na tarifa de energia elétrica, que deve neutralizar o índice neste mês, deixando a inflação próxima de zero. No acumulado de 12 meses, o IPCA-15 deve desacelerar de 4,71% para 4,36%. No entanto, é importante não se iludir: o bônus de Itaipu é temporário, e a inflação dos alimentos segue como o maior ponto de pressão, especialmente com os preços da carne — em 2024, os alimentos registraram alta de 7,69%, mas alguns itens subiram muito mais, como café (39%), óleo de soja (29%), carne (21%) e leite (18%).
Essa tendência crescente no preço dos alimentos tornou-se uma das maiores dores de cabeça do governo Lula, afetando diretamente a já frágil popularidade do presidente. Deixo avisado: a situação deve piorar. Medidas heterodoxas sugeridas recentemente para conter os preços não apenas são ineficazes como também têm o potencial de agravar a percepção negativa do mercado. Ontem (23), por exemplo, circularam rumores de que o governo estaria considerando subsídios para alimentos e a criação de uma rede popular de abastecimento como forma de aliviar os preços. Com que dinheiro isso? Isso se soma a ideias mal recebidas, como a flexibilização das validades de alimentos (“xepa”). Voltamos às práticas dos anos 80. Já conhecemos os resultados desastrosos.
O mercado, previsivelmente, reagiu mal. No fim do dia, o ministro Fernando Haddad classificou essas notícias como “boataria”, mas o dano já estava feito. A curva de juros subiu, o Ibovespa recuou, e até mesmo o dólar, que registrava queda, foi impedido de cair mais devido à incerteza gerada pelas ações do governo. A lição é clara: inflação não se combate com medidas paliativas ou populistas. A solução real passa por uma política monetária restritiva, que mantenha juros altos, e um ajuste fiscal robusto, que reduza a pressão cambial e traga confiança ao mercado. Além disso, uma boa safra agrícola este ano, dependendo das condições climáticas, poderia ajudar. Fora isso, qualquer tentativa de intervenção improvisada só agrava o problema.
Enquanto o governo tropeça na comunicação e hesita em implementar medidas fiscais consistentes, os desafios para 2025 só aumentam. O temor é que o governo, pressionado pela queda de popularidade e pela proximidade do ciclo eleitoral de 2026, adote medidas desesperadas. O cenário parece pavimentar o caminho para uma alternância de poder em 2026, com uma possível migração para uma gestão mais fiscalmente responsável e pró-mercado. O desafio, porém, estará na organização da oposição de direita, que precisará se unir em torno de um candidato viável e evitar armadilhas populistas e amalucadas. Se houver uma alternativa consistente, o ambiente econômico brasileiro poderá passar por uma transformação significativa.
· 01:48 — Pegou bem
Nos Estados Unidos, o destaque foi a nova fala do presidente Donald Trump, proferida virtualmente no Fórum Econômico Mundial em Davos. Trump abordou seus planos tarifários de forma ampla, o que reforçou a percepção de que sua abordagem, ao menos por enquanto, parece mais moderada do que muitos temiam. Desde o início de seu segundo mandato, o padrão tem sido este: uma retórica agressiva que, na prática, ainda não se traduziu em ações substanciais. Resta ver até onde isso se mantém.
Embora tarifas sobre países como China e União Europeia continuem no radar, o mercado parece entender que Trump está usando essas ameaças principalmente como ferramentas de barganha, e não como uma política de confrontação direta, aos moldes do que fez em seu primeiro mandato. Além disso, o presidente reiterou compromissos com cortes de impostos e desregulamentação, medidas que animaram os investidores ao sinalizarem um ambiente mais favorável ao crescimento econômico e corporativo.
Essas declarações, combinadas com os resultados corporativos acima do esperado nesta temporada de balanços, impulsionaram os índices americanos. O S&P 500, por exemplo, alcançou uma nova máxima histórica, a primeira desde o início de dezembro, refletindo o otimismo renovado entre os investidores. A combinação de uma postura política aparentemente pragmática, estímulos fiscais e um desempenho corporativo robusto criou um cenário favorável para os mercados, ao menos no curto prazo.
· 02:37 — Nem tudo cheira bem
Embora o discurso de Donald Trump em Davos tenha sido, em grande parte, bem recebido, nem tudo foi motivo de otimismo. Um dos pontos mais criticados foi o pedido explícito do presidente para que o Federal Reserve reduzisse as taxas de juros. A declaração soou como uma tentativa de pressionar a autoridade monetária, algo que não cai bem na percepção institucional, especialmente em um fórum global.
Esse tipo de comentário não é uma novidade no estilo Trump. Durante seu primeiro mandato, ele frequentemente criticou publicamente Jerome Powell, o presidente do Fed que ele mesmo indicou. Na época, Trump chegou a sugerir a substituição de Powell, gerando dúvidas sobre a independência do banco central. Durante a campanha de 2024, no entanto, Trump prometeu que não buscaria a remoção de Powell antes do fim de seu mandato, em maio de 2026. Apesar disso, ele parece manter a estratégia de retórica agressiva, pressionando indiretamente a autoridade monetária.
O comentário mais curioso, talvez, foi Trump afirmar que entende melhor de taxas de juros do que o Federal Reserve — sim, ele realmente disse isso. Essa postura é parte do personagem que construiu para si, reforçando a imagem de “especialista de tudo” que ressoa bem entre seus apoiadores mais fiéis.
Objetivamente, no entanto, as projeções do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) indicam que a maioria de seus membros ainda prevê cortes moderados nas taxas de juros até o final de 2025, embora sem grandes reduções. O mais provável é que o Fed implemente pausas ao longo do caminho, inclusive já no início de 2025.
· 03:25 — Uma alta esperada
O Banco do Japão (BoJ) elevou sua taxa de juros em 25 pontos-base, alcançando 0,50% — o nível mais alto em 17 anos. A decisão, que já havia sido amplamente antecipada pelo mercado, foi acompanhada de um sinal claro de que novas altas podem ocorrer, desde que a economia e os preços continuem evoluindo conforme as projeções. O movimento reflete a confiança do BoJ no aumento sustentável dos salários, além de estar alinhado à tendência global de combate à inflação, embora, no caso do Japão, a trajetória inflacionária seja de alta, uma inversão histórica para o país.
Antes deste ajuste, as taxas de juros japonesas permaneceram inalteradas por três reuniões consecutivas, mas o mercado estava ciente de que uma mudança era inevitável. Este é o terceiro aumento em menos de um ano, um marco significativo, considerando que o Japão não via juros nesse patamar desde 2008, durante a Grande Crise Financeira. Isso reforça a ideia de que estamos, de fato, vivendo uma Nova Era.
Essa decisão fortalece naturalmente o iene, já que o Banco do Japão se destaca como o único grande banco central a aumentar as taxas de juros em um momento em que o Federal Reserve e o Banco Central Europeu estão optando por reduções ou manutenção dos custos de empréstimos. O movimento faz parte do esforço do presidente Kazuo Ueda para normalizar a política monetária, rompendo com a política de juros ultrabaixos que marcou a economia japonesa na última década. Desta vez, ao menos, o mercado parece melhor preparado para digerir o impacto, evitando o choque abrupto no iene que vimos em meados de 2024. Sem grandes surpresas aqui.
· 04:13 — E como nós vamos resolver?
Ontem, comentei sobre a crise geopolítica atual, caracterizada por uma espécie de recessão diplomática que reflete uma Nova Guerra Fria. Apesar desse cenário de tensão global persistente, há razões para algum otimismo em relação ao próximo ano. Três anos após a invasão da Ucrânia pela Rússia, as negociações, incluindo a possibilidade de um cessar-fogo, parecem finalmente ganhar tração, impulsionadas em grande parte pelo retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Algo semelhante ocorre no Oriente Médio, onde os cessar-fogos em Gaza e no Líbano têm boas chances de serem estendidos, reduzindo ainda mais das tensões na região.
No entanto, esses possíveis avanços não eliminam a crise estrutural que permeia a ordem internacional. Como aponta o Eurasia Group, há três caminhos principais para enfrentar este desafio: o primeiro seria reformar as instituições globais existentes, como a ONU e o FMI, para que operem de maneira mais eficaz e com maior legitimidade. O segundo envolve a construção de novas instituições que reflitam melhor o equilíbrio atual de poder global. E o terceiro, mais radical, consiste em destruir o sistema antigo e impor um novo conjunto de regras por meio da força. O que vemos hoje é que diferentes atores globais estão, simultaneamente, explorando todas essas estratégias.
Curiosamente, os Estados Unidos permanecem como a única nação com poder suficiente para liderar esse processo de transformação global. Em muitos aspectos, os EUA estão mais fortes do que nunca, especialmente quando comparados a seus aliados e adversários. A grande questão, no entanto, é se Trump, com seu estilo nacionalista e avesso ao multilateralismo, estará interessado ou mesmo disposto a assumir esse papel de liderança na reconstrução da ordem global. A resposta a essa dúvida moldará não apenas o próximo ano, mas, provavelmente, as próximas décadas.
· 05:02 — E, por fim, os alternativos e temáticos
Nos últimos dois dias, tenho destacado a importância de destinar uma parte da carteira a ativos denominados em moeda forte, com especial atenção ao dólar. A ideia central é alocar aproximadamente 30% do portfólio em ativos vinculados à divisa americana.
Dentro dessa parcela, o investidor pode explorar diferentes composições, como o clássico modelo 60/40 entre ações e renda fixa, mas há outras alternativas que podem ser igualmente eficazes, as quais discutiremos no futuro. Já passamos por renda fixa, ações e proteções, e agora é o momento dos ativos alternativos e temáticos.