Investimentos

Trump sinaliza isenções temporárias para carros e Xi Jinping acelera seu giro diplomático pela Ásia: veja o que se destaca nos holofotes econômicos desta terça-feira (15)

Os mercados despertam após um fechamento de alívio aos ativos de risco na segunda-feira (14). Leia mais.

Por Matheus Spiess

15 abr 2025, 09:21 - atualizado em 15 abr 2025, 09:21

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Imagem: iStock.com/William_Potter

O pregão de ontem (14) foi mais um capítulo do movimento de descompressão dos ativos de risco — e, desta vez, com as Treasuries roubando a cena. A queda nas taxas dos títulos americanos foi o destaque positivo do dia, depois do estresse recente, refletindo um ambiente de menor estresse imediato após mais um recuo da Casa Branca. Depois de flexibilizar tarifas sobre eletrônicos na sexta-feira (11), o governo Trump voltou a ceder — agora sinalizando isenções temporárias para veículos e peças automotivas importadas. A justificativa? Dar tempo para as montadoras transferirem produção para os EUA. Ora, se esse é o argumento, a lógica vale para praticamente todas as indústrias.

De qualquer forma, o presidente fez questão de avisar que se trata apenas de uma suspensão provisória. Mais: já anunciou que os próximos alvos da tarifa estão no radar — começando pelos semicondutores e avançando sobre toda a cadeia de suprimentos de eletrônicos. O secretário de Comércio, Howard Lutnick, confirmou que a análise está em andamento. Para completar o pacote de ameaças, o governo americano estuda incluir ingredientes farmacêuticos e medicamentos na lista de possíveis tarifas futuras.

Ainda assim, a nova trégua parcial tem sido suficiente, por ora, para sustentar a recuperação tímida dos mercados globais. Nesta manhã, vemos alta nos ativos europeus e nos futuros de ações dos EUA, depois de um pregão mais positivo na Ásia. O risco de abertura de novas frentes na guerra comercial segue sobre a mesa — mas enquanto as ameaças permanecem no campo das intenções e as tarifas “recíprocas” ficam em “pausa”, o mercado vai aproveitando o alívio. Até quando, é outra história.

· 00:57 — Definições orçamentárias

No Brasil, o único indicador econômico um pouco mais relevante do dia — o IGP-10 de abril — acabou jogado para escanteio. Não apenas por ser um índice mais secundário, mas porque o foco local hoje (15) está em outro lugar: o envio do Orçamento de 2026 ao Congresso Nacional. Como já era previsível a proposta deve trazer uma meta de superávit primário de 0,25%. Um número que, sejamos sinceros, está mais para literatura de ficção do que para planejamento econômico propriamente dito. Algo bastante típico do atual governo, que segue escrevendo orçamentos imaginativos.

De toda forma, os ativos locais continuam funcionando muito mais como extensão do humor global do que como reflexo das questões domésticas. O que faz preço, neste momento, é o vai-e-vem da guerra comercial de Donald Trump — e não necessariamente os ruídos de Brasília. Ontem, por exemplo, o Ibovespa voltou a subir embalado pela recuperação do apetite por risco no exterior, movimento que veio acompanhado de valorização do real e fechamento da curva de juros.

Isso não significa, contudo, que o orçamento que será apresentado hoje não possa mexer com os preços. Especialmente porque alguns fantasmas antigos voltam a rondar o cenário fiscal. O mais barulhento deles atende pelo nome de precatórios — e deve chegar, em 2026, à cifra de R$ 115 bilhões. Vale lembrar que 2026 será o último ano de “transição”: a partir de 2027, toda a despesa com sentenças judiciais volta a ser integralmente considerada dentro do teto primário, como determinou o STF.

Para 2025, o governo já prevê o pagamento de R$ 102,3 bilhões com precatórios, dos quais R$ 52,7 bilhões estão fora das regras de limite de gastos — mais um arranjo emergencial que adia, mas não resolve o problema. A escalada desses números acende o alerta para os próximos anos. Além disso, a novela da isenção do Imposto de Renda avançou, com impacto bilionário e poucos detalhes sobre as compensações.

O pano de fundo segue sendo o mesmo: 2026 pode, sim, reservar um desfecho mais favorável para os ativos brasileiros — especialmente se o ciclo político caminhar na direção de maior racionalidade econômica. Mas até lá, o caminho continuará sendo sinuoso, com obstáculos fiscais relevantes que seguem exigindo atenção redobrada.

· 01:46 — Margem para melhorar

Nos EUA, o alívio visto no pregão de ontem foi rapidamente ofuscado no after hours, com os futuros de Nova York voltando a recuar diante do receio de novos avanços tarifários por parte da Casa Branca. A volatilidade, como tem sido regra nos últimos dias, permanece elevada. Nesta manhã, no entanto, os índices americanos amanhecem em território positivo, com os sinais de isenção temporária para o setor automotivo e a suspensão de tarifas para produtos de tecnologia falando mais alto.

Seja como for, o recado está dado: o caminho à frente será qualquer coisa, menos trivial. E a condução da política monetária americana, que já era complexa, agora passa a depender de um fator adicional chamado política comercial. O pano de fundo também é influenciado pela temporada de resultados corporativos, que ganha tração com divulgações relevantes nesta terça-feira. Entre os nomes esperados estão Bank of America, Citigroup, Interactive Brokers, Johnson & Johnson e United Airlines — players capazes de oferecer pistas sobre a resiliência (ou não) da economia americana.

· 02:35 — O que está na mesa

Enquanto a Casa Branca ensaia movimentos de recuo — ainda que sempre acompanhados de discursos inflamados —, a China, principal alvo da cruzada tarifária de Donald Trump, parece cada vez mais confortável em assumir uma postura ofensiva. Depois de responder com tarifas elevadas, Pequim agora avança em uma frente ainda mais sensível: as restrições à exportação de minerais de terras raras — insumo estratégico e vital para diversas indústrias americanas, da tecnologia à defesa. A medida é um recado claro: se Washington quer brincar de guerra comercial em escala global, o custo será alto — e não necessariamente limitado a tarifas de importação.

A tensão aumentou ainda mais depois das novas ameaças de Trump, desta vez mirando semicondutores e produtos farmacêuticos. Com isso, os sinais que partem da Casa Branca vão se tornando cada vez mais erráticos e difíceis de interpretar, deixando empresas, investidores e parceiros comerciais em um limbo estratégico: ninguém sabe exatamente qual é a regra do jogo. De toda forma, o estrago já está contratado. As economias de Estados Unidos e China vão pagar a conta, independentemente do desfecho dessa novela. No caso chinês, por exemplo, o grande debate nos mercados é se o país conseguirá — de fato — entregar a tão alardeada meta de 5% de crescimento em 2025. A resposta mais provável? Dificilmente.

· 03:23 — Um exemplo de sucesso

Já discuti aqui, em outras ocasiões, a dúvida que paira sobre a estratégia da Casa Branca: afinal, existe ou não um plano maior por trás dessa política comercial agressiva? A resposta, como vimos, é sim — ao menos no papel. A ideia de repensar as cadeias globais de produção, reequilibrar práticas comerciais e reforçar a segurança econômica dos EUA faz sentido. Há, inclusive, gente séria, técnica e respeitada no governo trabalhando nesse desenho. É o caso de Scott Bessent, secretário do Tesouro; Stephen Miran, presidente do Conselho de Assessores Econômicos; e Kevin Hassett, diretor do Conselho Econômico Nacional. Miran, por exemplo, escreveu um paper denso, sofisticado e detalhado sobre como essa reorganização deveria acontecer: de forma gradual, planejada e inteligente. O texto circulou nos bastidores, ganhou o aval de Bessent, o apoio técnico de Hassett e, claro, a assinatura final de Trump — que gostou da ideia geral. O problema, porém, não foi o plano. Foi a execução.

Na prática, quem assumiu o controle da operação inicial foi a ala mais ideológica, barulhenta e, sejamos francos, menos respeitada pelos mercados. Um time capitaneado por Howard Lutnick, secretário do Comércio Exterior (ele até era respeitado antes, por ter comandado no passado a Cantor Fitzgerald, mas perdeu credibilidade com o tarifaço, como todos os outros envolvidos); Peter Navarro, conselheiro sênior para Comércio e Indústria; e Stephen Miller, vice-chefe de gabinete da Casa Branca. Jamieson Greer, representante comercial dos EUA e figura que poderia funcionar como ponte entre pragmatismo e ideologia, simplesmente ficou de fora do processo decisório que culminou no tarifaço desastroso do começo do mês. Resultado: o núcleo técnico — Bessent, Miran e Hassett — perdeu a queda de braço.

Após o desastre inicial, a ala técnica e respeitada pelo mercado voltou a ganhar espaço. A tentativa agora é colocar ordem na bagunça, recuperar parte da credibilidade perdida e, quem sabe, tentar salvar o que restou do plano original. A tarefa não é simples. Parte dos danos é irreversível. Mas nem tudo está perdido. Exemplo de como deveria ser feito — e que passou quase despercebido no meio do ruído tarifário — veio ontem, da Nvidia (NVDC34). A gigante dos semicondutores anunciou que pretende, pela primeira vez, produzir integralmente em solo americano alguns de seus supercomputadores de inteligência artificial.

Os investimentos, previstos para os próximos quatro anos, ultrapassam US$ 500 bilhões. As fábricas de chips ficarão no Arizona; os supercomputadores, no Texas. Já existem parcerias firmadas com Amkor e SPIL, e negociações em andamento com nomes de peso como TSMC, Foxconn e Wistron. Este, sim, é o tipo de “Made in USA” que faz sentido: tecnologia de ponta, segurança nacional, liderança em setores estratégicos. Não é sobre sapatos, torradeiras ou camisetas. É sobre o futuro. Pena que, até aqui, o caminho tenha sido tão torto.

· 04:19 — O tour do Xi

Xi Jinping decidiu acelerar seu giro diplomático pela Ásia em um momento que dificilmente poderia ser mais simbólico. Dias após Donald Trump elevar suas tarifas contra a China a níveis estratosféricos, o presidente chinês desembarcou em Hanói, no Vietnã — não por acaso, um dos países que mais sentem os efeitos colaterais da nova guerra comercial. A visita rendeu 45 acordos bilaterais, cobrindo de inteligência artificial a agricultura, passando até por esportes — um cardápio amplo que sinaliza claramente o objetivo de Pequim: construir, passo a passo, uma frente de resistência regional contra o que Xi tem chamado de “intimidação unilateral”. E a mensagem vai muito além do Vietnã. A agenda de Xi inclui ainda passagens pela Malásia e pelo Camboja — parte de um esforço mais amplo de costurar alianças no Sudeste Asiático, justamente a região mais pressionada pelo tarifaço americano.

Há método na movimentação chinesa. Com Washington dobrando a aposta no isolacionismo e ampliando barreiras comerciais não só contra a China, mas também contra vários países emergentes, Xi Jinping enxerga a oportunidade de se apresentar como o porta-voz informal do Sul Global. O discurso é direto: defender os interesses comuns dos países em desenvolvimento frente ao cerco econômico dos EUA. Mas o plano chinês não se limita a esses países. Pequim também mira a União Europeia como um contrapeso estratégico, reforçando laços econômicos e políticos com o bloco em um momento em que Bruxelas demonstra crescente desconforto com os métodos e as tarifas da Casa Branca. Em outras palavras: Xi tenta construir pontes — ao menos com quem estiver disposto a atravessá-las. A guerra comercial, portanto, está longe de ser apenas um embate bilateral entre EUA e China. Ela se desenha cada vez mais como uma disputa global por influência, narrativa e alinhamentos geopolíticos. 

· 05:04 — Venda oportunística

Na semana passada, a Equatorial (EQTL3) anunciou a venda de sua operação de transmissão por R$ 9,4 bilhões (considerando dívida), encerrando de maneira bastante lucrativa um dos movimentos mais oportunistas da sua história recente. Sem tradição no segmento, a Equatorial soube aproveitar — como poucos — aquele período em meados da década passada em que os leilões de transmissão ofereciam retornos excessivamente generosos…

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.