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Véspera do ‘Dia da Libertação’ deixa mercados globais cautelosos; no Brasil, Ibovespa encerra 1T25 em alta: confira o que acontece nos bastidores econômicos nesta terça-feira (1º)

A Casa Branca estaria considerando impor tarifas de 20% sobre a maioria das importações já amanhã? Veja os destaques.

Por Matheus Spiess

01 abr 2025, 09:15 - atualizado em 01 abr 2025, 09:15

eleições americanas EUA

Imagem: iStock.com/Douglas Rissing

Começamos o dia com mais um vazamento vindo de Washington: a Casa Branca estaria considerando impor tarifas de 20% sobre a maioria das importações já para amanhã (2) — o famigerado “Dia da Libertação”, como Trump resolveu apelidar seu espetáculo tarifário. Se é verdade? Ninguém sabe. Com um governo que muda de ideia a todo momento, qualquer afirmação pode virar fumaça em questão de horas. Diante da dúvida — e do histórico — o mercado prefere pecar pelo excesso de cautela: o clima é de aversão a risco logo na abertura.

Ainda que tenhamos visto uma tentativa tímida de recuperação nos mercados asiáticos, ancorada pelo PMI industrial da China que surpreendeu positivamente ao subir para 51,2 pontos (acima da expectativa de estabilidade), o bom humor não resistiu ao fuso horário. Na Europa, o pessimismo domina as bolsas, enquanto os futuros de Nova York seguem o mesmo tom — apáticos e pressionados.

A agenda do dia promete mais dados de atividade no Ocidente, mas ninguém está prestando muita atenção. O foco total está no cronômetro que marca a contagem regressiva para o próximo ato de improviso tarifário da Casa Branca. Amanhã é o grande dia — e, como sempre com Trump, o mercado já se prepara para o pior.

· 00:55 — Acima do potencial

No Brasil, o Ibovespa encerrou o último pregão de março em queda, contaminado pela ansiedade global em torno do pacote de tarifas recíprocas prometido por Donald Trump para o dia 2 de abril. Ainda assim, o trimestre terminou no azul: alta de 8,29%, puxada pelo bom desempenho de março, que sozinho entregou 6,08%. E, ironicamente, quem brilhou no período foram justamente as ações cíclicas — aquelas mais sensíveis à atividade econômica — num momento em que o temor dominante é de uma Selic mais alta por mais tempo. O dólar também cedeu, recuando 3,57% no mês e acumulando queda de 7,68% no ano. Com isso, a dúvida que paira agora é: ainda veremos o Ibovespa manter esse fôlego até o fim do ano, ou vem revés antes do aguardado rali eleitoral do último trimestre? Bem, entendo que, se vier alguma pancada, ela sairá ou de Brasília ou do caminho teimoso da política monetária.

A economia brasileira está crescendo acima do seu potencial. Ponto. A demanda agregada segue em ritmo mais acelerado que a oferta, e o governo, ao invés de atuar com moderação, segue empurrando estímulos para a economia. Quando você injeta demanda onde já há excesso, o que aparece é mais inflação. O Banco Central, ciente da encrenca, pisa firme no freio. A Selic real ex-ante caminha para os 9% ao ano, num esforço explícito de conter o consumo e trazer a inflação de volta ao cercado da meta. Só que tem um detalhe incômodo nessa história: as expectativas para a inflação seguem teimosamente acima do centro da meta. Era de se esperar alguma desaceleração, algo saudável e necessário. Mas o governo simplesmente se recusa a aceitar que o motor da economia precisa reduzir o giro.

Enquanto o Banco Central puxa o torniquete, os bancos públicos preparam a mangueira de irrigação do crédito. Apertar com uma mão e afrouxar com a outra. Resultado? Ineficiência e risco de piora generalizada. É por isso que, como temos repetido aqui na Empiricus, um dos maiores riscos para 2025 é justamente a recusa do Executivo em aceitar a desaceleração como parte do remédio. A insistência em tentar crescer a qualquer custo — e a qualquer taxa de inflação — é não apenas contraproducente, mas perigosa. É possível, claro, que 2026 nos entregue uma guinada política com cheiro de racionalidade. Mas até lá, o caminho será longo, cheio de obstáculos e administrado por um governo que, por enquanto, prefere confundir barulho com crescimento.

· 01:46 — Suspense

Nos Estados Unidos, o S&P 500 encerrou o primeiro trimestre com uma queda de 4,6% — seu pior desempenho trimestral em três anos. O Nasdaq 100, por sua vez, foi ainda mais longe ladeira abaixo, recuando 8,3% e registrando sua pior performance desde 2021. Como se não bastasse o humor azedo nos índices, o dólar também resolveu sair do script: em vez de servir como porto seguro clássico em tempos de incerteza, tem oscilado com comportamento errático, alimentando especulações de que moedas rivais podem acabar se tornando refúgios mais confiáveis. Vale notar que o trimestre até começou promissor, embalado pelo otimismo de que o segundo mandato de Donald Trump traria um combo previsível de desregulamentação e cortes de impostos. Ledo engano. Conforme os dias avançaram, vieram as turbulências tarifárias, os ruídos com aliados e diversos movimentos imprevisíveis que fizeram o bom humor evaporar.

Agora, o mercado entra no mês de abril em modo contenção de danos, com os investidores aguardando com nervos à flor da pele a quarta-feira (2) — apelidada por Trump, com sua costumeira sutileza, de “Dia da Libertação”. Espera-se mais uma rodada de tarifas, mas ninguém sabe ao certo se virão com força total ou se servirão apenas como peça de barganha em alguma nova rodada de negociações. Antes do grande espetáculo tarifário, no entanto, o mercado precisa digerir os dados do dia: o relatório JOLTS de abertura de vagas de emprego e o PMI de manufatura de março. Dependendo do tom desses números, o clima nos mercados pode piorar ainda mais — ou, com um pouco de sorte, apenas continuar desconfortavelmente tenso.

· 02:31 — Quem está na mira?

As tarifas estão batendo à porta. E embora ninguém saiba exatamente o que Donald Trump pretende anunciar nesta quarta-feira (2), o consenso é que o pacote incluirá tarifas “recíprocas” — isto é, novas cobranças sobre produtos de países que, segundo a Casa Branca, impõem barreiras injustas às exportações americanas. O problema? Nem mesmo dentro do governo parece haver clareza sobre os detalhes. Algumas fontes apontam que o plano é taxar a maior parte das importações em 20%. Outras dizem que Trump ainda está indeciso sobre a estratégia final. Em bom português: ninguém sabe de nada, mas o mercado já está se preparando para o pior.

O Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos, por sua vez, fez questão de jogar gasolina na fogueira, ao publicar um relatório que acusa o Brasil — entre outros países — de adotar inúmeras barreiras e tarifas contra produtos americanos. Segundo o documento, o Brasil impõe taxas elevadas sobre uma longa lista de setores: automóveis, autopeças, tecnologia da informação, eletrônicos, produtos químicos, plásticos, máquinas industriais, aço, têxteis e vestuário. Ou seja, apesar de termos déficit na balança comercial com os EUA, isso não nos livra da mira do tarifaço. Afinal, coerência nunca foi o forte dessa nova política comercial.

Se o critério fosse puramente o déficit comercial dos EUA com outros países, o Brasil até passaria longe da lista. Dados do Departamento de Comércio mostram que os maiores déficits em 2024 vieram da China, União Europeia, México, Vietnã, Irlanda, Alemanha, Taiwan, Japão, Coreia do Sul, Canadá, Índia, Tailândia, Itália, Suíça, Malásia, Indonésia, França, Áustria e Suécia — estes, sim, os principais candidatos ao aperto. De toda forma, uma coisa é certa: esse tipo de política afeta diretamente os mercados emergentes, que dependem de comércio internacional para sustentar crescimento. Nesse cenário, Brasil e Índia podem até exibir um pouco mais de resiliência, graças a mercados internos mais robustos.

· 03:27 — A força do petróleo

O petróleo encerrou o pregão de ontem em firme alta, com o Brent para junho subindo quase 3% e fechando a US$ 74,77 por barril. Os contratos futuros seguem em trajetória de valorização, embalados por uma mistura explosiva de tensões geopolíticas e ameaças tarifárias — cortesia, mais uma vez, do presidente Donald Trump. Entre os catalisadores do movimento estão as declarações do presidente americano sobre a possibilidade de impor tarifas de 25% às importações de petróleo russo, bem como suas habituais ameaças incendiárias ao Irã, incluindo promessas de ataques caso Teerã não aceite os termos de um novo acordo nuclear. 

Não bastasse isso, os conflitos renovados na Faixa de Gaza — com perspectiva de operações aéreas e terrestres prolongadas — voltaram a elevar o risco geopolítico no Oriente Médio, jogando mais lenha na fogueira dos preços. Do lado dos fundamentos, o suporte ao barril também veio de dados duros: a demanda por petróleo nos EUA atingiu, em janeiro, o maior nível já registrado para o mês desde o início da série histórica, em 1963. Ao mesmo tempo, a produção doméstica recuou para 13,146 milhões de barris por dia, menor patamar desde fevereiro de 2024. Com essa combinação de risco e aperto na oferta, o petróleo parece mais confortável orbitando a casa dos US$ 75 do que recuando para a região dos US$ 70. E, pelo visto, o barril ainda poderia ter combustível para subir mais a depender do contexto geopolítico.

· 04:12 — Ruídos franceses

Venho chamando atenção para as incertezas políticas na Europa — um fator que, apesar de ainda não ter freado o rali dos ativos da região, pode muito bem começar a atrapalhar. O episódio mais recente veio da França: Marine Le Pen, figura central da direita francesa, foi condenada e, com isso, declarada inelegível por cinco anos. Isso a impede de concorrer a qualquer cargo público, incluindo a eleição presidencial de 2027 — aquela que seria sua terceira tentativa consecutiva de chegar ao Palácio do Eliseu.

A decisão segue a linha de condenações que já atingiram outros nomes da política francesa, como o ex-presidente Nicolas Sarkozy. E chega em um momento politicamente sensível: o atual governo de Emmanuel Macron não tem maioria na Assembleia Nacional e enfrenta crescentes dificuldades para aprovar suas pautas. Le Pen vinha ganhando tração e era apontada como favorita ou, ao menos, forte competidora para o próximo pleito. Sua saída altera o tabuleiro e aumenta a incerteza.

No vácuo de liderança, quem pode herdar o bastão é Jordan Bardella, líder do partido Reunião Nacional. Embora as pesquisas indiquem alguma viabilidade eleitoral, é difícil imaginar que ele tenha, ao menos por ora, o mesmo apelo popular (ou capital político) que Le Pen. Isso pode gerar instabilidade nos ativos franceses, ainda que o impacto mais amplo sobre o mercado europeu pareça, por enquanto, contido — muito por conta do desempenho resiliente da Alemanha, que vem carregando a região nas costas e mantendo o bom humor dos investidores. Mas convém não ignorar: rachaduras políticas como essa tendem a se alastrar quando menos se espera.

· 05:03 — Se protegendo

O ouro voltou com força ao centro das atenções — e com razão. Depois de subir impressionantes +27,2% em 2024 e atingir US$ 2.624 por onça, o metal precioso continua desafiando quem apostou contra. Só ontem, avançou mais 1,17% e fechou a US$ 3.122 por onça-troy, cravando novo recorde histórico, impulsionado por um velho conhecido: o medo. Medo das tarifas de Trump, medo da política monetária errática, medo do mundo, basicamente. A pergunta inevitável, claro, é se ainda faz sentido carregar ouro depois de tanta alta.

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.