Day One

O oráculo da noite

Ontem fui dormir com 15% de bateria no celular, acordei com 13%. Imagino que alguém esbarrou ali, sem querer, e o carregador ficou um tiquinho só fora da tomada. Com sono, não deu pra perceber. 

Por Rodolfo Amstalden

30 nov 2022, 19:34 - atualizado em 30 nov 2022, 19:34

Ontem fui dormir com 15% de bateria no celular, acordei com 13%. Imagino que alguém esbarrou ali, sem querer, e o carregador ficou um tiquinho só fora da tomada. Com sono, não deu pra perceber. 

Esse tiquinho só é mais do que o bastante para que a corrente elétrica se comporte de outra maneira, inteiramente diversa da esperada.

Mas tudo bem, acontece, né? Aconteceu comigo, já deve ter acontecido com você. Por isso, dizemos que é meio que normal. Beira a normalidade.

Qualquer flutuação de ponta curta entre 13% e 15% também passou a ser tratada como normal.

Só que, nesse caso, não é. Não pode ser. A vida econômica oferece inúmeros tipping points – singularidades que fazem total diferença.

Com juros referenciais de 13%, conservamos esperanças sobre algum tipo de horizonte possível.

Já acima dos 15%, o ar fica extremamente rarefeito, comprometendo as condições básicas de sobrevivência.

Portanto, a dedução lógica é a de que, neste fim de ano, estamos casados com certa esperança enquanto flertamos com o abismo. É isso o que lemos nas capas dos jornais, que sempre preferem o flerte ao matrimônio.

A mensagem parece tétrica, mas a ideia aqui é justamente a oposta: sugerir que podemos sair do abismo.

Ao contrário do mundo de resultados efetivos, no qual a queda no abismo vem necessariamente associada a um path dependence fatal, o mundo de resultados esperados permite, curiosamente, que sonhemos com fatalidades antes de estarmos mortos.

E o mais interessante dessa história: sonhar com o abismo permite que o sonhador evite o abismo quando estiver acordado, e talvez seja a única forma de permitir isso.

Quando os juros futuros vão para cima dos 15%, é como se vivêssemos, de fato, em um universo paralelo (que pode vir a ser o nosso) no qual todas as coisas, tal qual as conhecemos hoje, acabam.

É uma experiência bastante real, horripilante, de dar inveja a qualquer metaverso.

Por sorte, acordei com um daqueles pesadelos em que eu tento salvar meus filhos, mas não consigo, e entrego a eles um mundo pior do que aquele em que eu cresci. 

Foi sorte porque, ao acordar no meio da noite, peguei o celular para ver as horas. Notei que estava descarregado. Mexi então na tomada, e tudo voltou a funcionar conforme esperávamos.

Sobre o autor

Rodolfo Amstalden

Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.

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